Família, tema nunca esgotado,
mesmo num mundo secularizado
António Marcelino
«Repensar a acção da Igreja com a família e em seu favor, tem cada vez mais exigências de conhecimento e discernimento da realidade que a envolve e dos dinamismos sociais e culturais que a atingem. Não se pode esquecer que a família tem uma dimensão humana e social que a dimensão religiosa e sacramental tem de reconhecer e respeitar para que a possa enobrecer.»
Há coisas que não mudam, mesmo que muitas coisas mudem ou pareçam mudar à sua volta. É o caso da família. Mudaram algumas das suas tarefas tradicionais, antes atribuídas exclusivamente aos diversos membros; mudou o estilo de relação no interior do agregado familiar; surgiram novas oportunidades de intervenção de ordem social e política; alargou-se o fenómeno associativo; a opinião pública deparou-se com uma série de leis referentes à instituição familiar, enquanto tal; deu-se um decréscimo significativo do número de casamentos na Igreja, sempre que se deparou com a indissolubilidade do vínculo conjugal, numa sociedade que reage a compromissos que comportam exigências de permanência; experimentou-se o confronto com outras situações e expressões familiares, tanto na emigração, como na convivência com os imigrantes que vivem entre nós; viveu-se a evolução, não paralela, de filhos que acederam a uma escolaridade alargada e de pais pouco alfabetizados… Porém, apesar das diversas convulsões sociais e das leis que proliferaram durante o governo socialista, pretendendo, a pretexto de pluralismo e direitos individuais, atingir a instituição familiar no seu cerne, perduram e continuam na família riquezas intocáveis, que constituem o reduto da maior riqueza do país.
Tecido estruturante da sociedade e célula viva da sociedade e da Igreja, a família não pode deixar de merecer uma especial atenção tanto dos responsáveis do Estado, como dos das Igrejas cristãs e, muito especialmente, da Igreja Católica. Esta atenção que, por parte dos governantes políticos não foi uniforme e nem sempre realista, sempre constituiu um cuidado especial da Igreja, que proclama a família como uma instituição a que a Providência ditou as suas leis, e à qual outorgou uma missão inalienável e única: a procriação, a educação dos filhos, a transmissão dos valores morais que estruturam a vida pessoal e em sociedade.
Foi fruto desta convicção milenar e com esta preocupação permanente que se realizaram sínodos, se escreveram documentos do magistério, se actualizaram ritos de preparação e de celebração, se gizaram planos pastorais, se multiplicaram iniciativas de formação e de acompanhamento de casais e de jovens, se promoveram grupos de reflexão e entreajuda, se fundaram movimentos e instituições, totalmente dedicadas à família, se geraram formas de efectiva solidariedade, em favor das famílias com maiores necessidades e carências de toda a ordem. Porém, verifica-se que, apesar de tudo isto, nascem famílias na Igreja, fruto do sacramento do Matrimónio, marcadas, logo de início, pela fragilidade, com uma fé pouco explicita e consistente, que logo se torna vã, impreparadas para viver a sua vida e realizar a sua missão em campo aberto, onde abundam concorrentes e sopram vendavais de toda a ordem.
Repensar a acção da Igreja com a família e em seu favor, tem cada vez mais exigências de conhecimento e discernimento da realidade que a envolve e dos dinamismos sociais e culturais que a atingem. Não se pode esquecer que a família tem uma dimensão humana e social que a dimensão religiosa e sacramental tem de reconhecer e respeitar para que a possa enobrecer. Quando penso no tipo das sessões de preparação para o casamento no templo, na celebração festiva do mesmo, nas propostas de acompanhamento dos casais novos e dos casais já menos novos que procuram realizar, em felicidade crescente, a sua vocação matrimonial e parental, no acolhimento devido aos casais que vivem novas formas de convivência conjugal e dos que enfrentam especiais dificuldades no seu dia-a-dia, na situação dos membros mais velhos da família, muitos deles isolados nas suas casas em aldeias despovoadas do interior ou fechados em casas de familiares, nos bairros periféricos das cidades, e pensar, também, nos idosos, eternamente silenciosos, que enchem os lares, fico a reflectir sobre caminhos novos de uma renovação pastoral que traduzam com realismo a desejada acção da Igreja em prol das famílias.
A família volta, mais uma vez, a ser sujeito e actor de planos diocesanos de pastoral, aqui e noutras dioceses do país. Se ela é o ponto de encontro de muitas alegrias e preocupações, ela deve ser, de igual modo, o ponto de encontro de reflexões actualizadas, decisões unificadas, propostas realistas, respostas objectivas e medidas acertadas de prevenção e de cura. De tudo a família precisa, a tudo isto a Igreja se deve.