sábado, 8 de janeiro de 2011

O amor a Deus sem amor ao próximo é uma ilusão


O que diria Jesus hoje?

Anselmo Borges

Os dias de Natal são especiais. Há uma atmosfera diferente, o melhor de nós pode revelar-se: mais proximidade, mais intimidade, mais amor, mais solidariedade. Directa ou indirectamente, há uma presença inegável: o nascimento de um Menino, com "a mensagem mais bela e revolucionária da história mundial", no dizer de Heiner Geissler, que foi ministro do Governo Federal da Alemanha e que escreveu um livro admirável precisamente com o título: "O que diria Jesus hoje?"
Mesmo se muitas vezes os que se reclamam de Jesus fizeram da sua mensagem um Disangelho, como disse Nietzsche, ela é real e verdadeiro Evangelho, notícia boa e felicitante.
Essa mensagem tem na sua base a afirmação de que é o ser humano, com a sua dignidade inviolável e fundamentada em Deus, que ocupa o centro de toda a actividade política e económica. Essa dignidade e os direitos que dela derivam constituem o critério de todas as leis, mesmo das leis "divinas", e o fundamento para a convivência em igualdade de todos os seres humanos, independentemente do sexo, cultura, etnia, religião, classe, nação, estatuto social ou jurídico.

O amor a Deus sem amor ao próximo é uma ilusão, e este amor ao próximo não é platónico, pois tem de ter tradução prática concreta - dar de comer, de beber, de vestir, visitar o doente e o preso -, e supera as barreiras culturais, nacionais, religiosas. Próximo é o próprio inimigo em dificuldade.
Os seres humanos e os seus interesses estão antes dos interesses do capital. O capitalismo neoliberal não está de acordo com o Evangelho e "constitui um crime contra milhares de milhões de pessoas que têm de viver na pobreza, na doença e na ignorância". "Quem transforma o valor na bolsa e a cotação das acções de uma empresa em algo absoluto e quem atribui importância, em termos económicos, apenas aos interesses do capital faz parte das pessoas que, como diz Jesus, possuem muito dinheiro e para as quais será difícil entrar no Reino de Deus." Os mais de dois mil milhões de cristãos têm, pois, de formar uma força impulsionadora de uma nova ordem económica mundial com base na justiça.
A mulher tem de ser tratada na plenitude da sua dignidade humana em igualdade com o homem. Qualquer discriminação, na sociedade ou na Igreja, está em contradição com o Evangelho. "A proibição da ordenação das mulheres e o celibato obrigatório não têm fundamentam evangélico."
Jesus não excluiu os estrangeiros - curou o servo do centurião romano e a filha da mulher sírio-fenícia. Portanto, a xenofobia não é compatível com o Evangelho. Os romanos enquanto potência ocupante podiam obrigar um judeu a transportar a bagagem na distância de uma milha, sendo neste contexto que se percebe o que Jesus diz: "Faz uma segunda milha de livre vontade." Talvez o romano comece a conversar, e quem sabe se não acabarão por beber um copo juntos? Aí está: "A reconciliação, o desanuviamento e a solução pacífica dos conflitos são preferíveis à violência e à guerra."
Quando se olha para o comportamento de Jesus, por palavras e obras, com as mulheres, os estranhos, os samaritanos (hereges), os pobres, os doentes, os leprosos, os inimigos (romanos e cobradores de impostos), entende-se como a nova imagem do ser humano constituía um acto revolucionário, com significado político-religioso explosivo.
O conflito foi mortal por causa de duas imagens de Deus. De um lado, o deus do sistema do Templo e do Império de Roma, em cujo nome as autoridades sacerdotais e o prefeito romano oprimiam e exploravam o povo. Do outro, o Deus dos últimos. Jesus acaba por ser crucificado, porque a sua mensagem e a sua acção abalavam na sua raiz um sistema organizado ao serviço dos poderosos da religião do Templo e do Império.
E hoje? Jesus é o modelo da credibilidade, na harmonia entre ideias e actos. "Hoje, seria o deputado e o porta-voz ideal do povo, uma vez que, no seu tempo, defendeu as pessoas - de forma independente, aberta e corajosa - contra os detentores do poder."

In DN

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