Religiões e liberdade
Anselmo Borges
Realizou-se no sábado passado, na Biblioteca Municipal, o X Simpósio de Santa Maria da Feira. O tema foi Identidade, Liberdade e Violência, tratado por duas figuras mundialmente conhecidas pela sua luta pela liberdade: a iraniana Shirin Ebadi, Prémio Nobel da Paz em 2003, e o dinamarquês Kurt Westergaard, célebre por causa do cartoon com Maomé com uma bomba no turbante. Era notória a segurança policial por todo o lado.
A primeira a falar foi Shirin Ebadi. E disse que, sem a liberdade de expressão, de que faz parte a liberdade religiosa, a democracia não existe. O problema das teocracias é que os cidadãos e concretamente as minorias não podem exprimir-se. Ora, as pessoas devem poder exprimir-se sem medo. O direito à liberdade religiosa implica também a possibilidade de converter-se a outra religião, e isto é particularmente importante em países islâmicos como o Irão e a Arábia Saudita, onde a conversão é castigada de modo muito pesado.
Deve haver barreiras para a liberdade de expressão? Não é aceitável a propaganda a favor da guerra, da violência, da discriminação. Mas não se pode considerar que o cartoon com a bomba no turbante seja contra os direitos humanos. "Claro que eu não aceito a reacção dos fundamentalistas".
A censura não é admissível. Aqui, Shirin Ebadi citou o seu país, onde a censura é cada vez mais rígida e se pode estender à tradução de obras famosas estrangeiras. E denunciou o Ocidente, que colabora com a censura, por exemplo, vendendo tecnologia com essa finalidade.
Afinal, "somos todos passageiros no mesmo barco". A liberdade é para todos. Os outros participam no mesmo destino. A árvore do conhecimento deveria dar mais frutos. Devemos irar-nos contra os preconceitos.
Antes de dar a palavra ao cartoonista, Carlos Magno lembrou o recente atentado na sua casa e que houve protestos, porque Merkel o recebeu. Até se quis censurar o Papa por causa do discurso de Ratisbona. Mas a liberdade de expressão não pode estar em causa em lado nenhum.
E Kurt Westergaard falou. A sua herança é cristã, mas confessou-se ateu, respeitador de todas as religiões. Agradeceu ao seu país a segurança policial permanente. Com 75 anos, já passou pelo fascismo, pelo nazismo, o comunismo, agora, o islamismo. Qual é o problema dos "ismos"? Rejeitam a dúvida, esse sentimento humano provocador e que obriga a procurar. Nas religiões, o perigo é a subordinação cega das pessoas às autoridades religiosas.
Muitos islâmicos vieram para o Ocidente com bombas ideológicas ou religiosas. Quis mostrar que o islão está ligado à violência: "A prova é que quiseram matar-me." Não podemos ceder na defesa dos nossos valores de liberdade. Há valores fundamentais, entre os quais a liberdade religiosa, que estão acima dos dogmas religiosos.
Para a sociedade dinamarquesa foi um choque ver a sua bandeira a arder e demonstrações que custaram vidas. O problema é que se trata de regimes que não são capazes de alimentar as pessoas: então, da frustração à agressão é um passo.
Mais tarde ou mais cedo, o choque ou a fricção entre as duas culturas, cristã e islâmica, dar-se-ia. O cartoon foi o detonador. Como vão o cristianismo e o islão conviver? O cristianismo manda dar a outra face e dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Mas o islão é uma religião que sacraliza a guerra e não faz a separação da religião e da política. De qualquer forma, é pelo diálogo que temos de encontrar a solução. O debate sobre o lugar das religiões nas sociedades seculares é essencial.
As palavras destas duas figuras são tanto mais significativas quanto são proferidas por quem enfrenta o risco da própria morte. Tanto é o valor da liberdade! Lá dizia Hegel que o escravo o é, porque antepõe a vida física à liberdade.
É fraca uma religião incapaz de submeter-se à crítica. Religião e liberdade têm um vínculo indissolúvel. Referindo-se ao cristianismo, São Paulo escreveu: "Foi para a liberdade que Cristo nos libertou."
In DN