O ELOGIO DA IGUALDADE
José Tolentino Mendonça
«No ano em que se comemora o centenário da implantação da República, os católicos portugueses têm de perder o medo de confrontar-se com o ideário tricolor da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade. Somos sim chamados a descobri-los como constituintes do património mais íntimo da própria formulação cristã e a traduzi-los de uma forma culturalmente criativa e existencialmente profética. Sobre a Igualdade, por exemplo, há que recordar que só tratamos o outro como igual, quando atendemos profundamente à sua alteridade infinita.»
No próximo dia 25 de Junho em Fátima, a Igreja Portuguesa, através da sua Pastoral da Cultura Nacional, vai debater o tema da Igualdade. É um motivo culturalmente incómodo, mas não é de agora. Podemos mesmo dizer que no processo de autoconsciência do movimento cristão das origens, a questão da Igualdade emergiu, aos olhos dos contemporâneos, como uma reivindicação algo bizarra da mensagem cristã.
Quando, por exemplo, Paulo de Tarso sintetiza num enunciado igualitário as implicações da experiência cristã, «não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus» (Gal 3,28), isso imediatamente colocou o cristianismo numa trajectória cultural de contra-corrente. Mas é sempre essa a relação que o cristianismo é chamado a manter com o horizonte cultural de todos os tempos: dialogar sem deixar de interrogar, absorver sem baixar o sentido crítico e renovador, ser consonante sem perder a ousadia de declarar-se em alternativa, não apenas no discurso sobre Deus, mas também na visão da Pessoa Humana. Há aqui tanto caminho a fazer!
Numa época em que a condição humana se regulava prevalentemente pela proveniência étnica e familiar, pela detenção ou exclusão da cidadania, pelo género ou pelo acesso aos bens materiais e ao conhecimento, o cristianismo das origens levantou, em nome da universal pertença a Jesus, a bandeira da igualdade. A universidade traduzia-se, então, numa igualdade fundamental. Ora, se esta é hoje uma questão teologicamente resolvida, culturalmente continua em aberto e em ebulição. Velhos e novos desafios se colocam hoje às nossas sociedades e requerem a actualização da frescura profética que o cristianismo disseminou no Mundo Antigo.
No ano em que se comemora o centenário da implantação da República, os católicos portugueses têm de perder o medo de confrontar-se com o ideário tricolor da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade. Somos sim chamados a descobri-los como constituintes do património mais íntimo da própria formulação cristã e a traduzi-los de uma forma culturalmente criativa e existencialmente profética. Sobre a Igualdade, por exemplo, há que recordar que só tratamos o outro como igual, quando atendemos profundamente à sua alteridade infinita.