sábado, 16 de maio de 2009

Os cardeais no casino

Cardeais no casino - no caso vertente, no Casino da Figueira - é já por si notícia. Quem imaginaria, há poucos anos ainda, cardeais a falar sobre religião no casino? Mas porque não? Não poderão os casinos abrir-se também à cultura? Também aceitei ir lá, para uma conferência sobre Religião, Religiões e o Diálogo Inter-religioso. Primeiro, foi o patriarca de Lisboa, cardeal José Policarpo. No decorrer descontraído da conversa, saiu a famosa advertência às portuguesas quanto a possíveis amores com muçulmanos: "Cautela com os amores! Pensem duas vezes em casar com um muçulmano, pensem muito seriamente, é meter-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde é que acabam." Eu estava lá e pensei logo no monte de sarilhos em que ele próprio estava a meter-se. Quando me perguntaram, respondi que os termos do pronunciamento não tinham sido de modo nenhum os mais adequados. Mas que estava de acordo quanto à substância, pois conheço casos dramáticos na Suíça e na Alemanha. Aliás, o cardeal referia-se sobretudo à ida para os países deles, onde as mulheres podem ficar sujeitas à lei islâmica. Aqui está a importância da separação da Igreja e do Estado. Apesar de tudo, no mundo ocidental, há a lei civil e a sua protecção. Não foi a Igreja que concedeu, por exemplo, a possibilidade do divórcio. No mês seguinte, foi o cardeal José Saraiva Martins. Desta vez, o clamor foi sobretudo por causa do pronunciamento sobre os homossexuais. A "homossexualidade não é normal, temos que o dizer. Não é normal no sentido de que a Bíblia diz que, quando Deus criou o ser humano, criou o homem e a mulher. É o texto literal da Bíblia, portanto, esse é o princípio sempre defendido pela Igreja". Interrogado sobre o tema, digo em síntese: não deve haver discriminação dos homossexuais e não vejo porque é que o Estado não há-de reconhecer para eles uma forma de união, com consequências jurídicas semelhantes às dos casados. A questão reside em saber se há-de chamar-se-lhe casamento. A palavra não é indiferente nem a questão é religiosa. Como disse o filósofo ateu Bertrand Russell, "o casamento é algo mais sério do que o prazer de duas pessoas na companhia uma da outra; é uma instituição que, através do facto de dela provirem filhos, forma parte da textura íntima da sociedade, e tem uma importância que se estende muito para além dos sentimentos pessoais do marido e da mulher". Foi também no casino que, no mês de Fevereiro, Saraiva Martins, antigo Prefeito da Congregação dos Santos, anunciou a canonização para breve - aconteceu, no Vaticano, no passado dia 25 de Abril - de Nuno Álvares Pereira, o Santo Condestável. Por causa dos milagres exigidos para uma canonização, perguntam-me frequentemente se acredito em milagres. Respondo que só acredito nos milagres do amor. Quanto aos "milagres" no sentido estrito - aqueles que Deus faria sobrenaturalmente, suspendendo as leis da natureza -, mantenho razoável cepticismo. "Então, não acredita que Deus pode tudo?" Não, não acredito, pois a maior parte das vezes fala-se da omnipotência divina de modo infantil. Deus não pode, por exemplo, fazer com que dois mais dois sejam cinco nem cometer suicídio. A razão do meu cepticismo é, porém, mais funda. Acredito em Deus infinitamente bom e poderoso, criador dos céus e da terra, como diz o Credo. Se acredito em Deus criador a partir do nada - sublinhe-se que a criação não se opõe ao evolucionismo -, creio nele enquanto continuamente criador. Deus não está fora do mundo - ele é infinitamente presente ao mundo. Ora, os milagres pressupõem que Deus está fora do mundo e que, de vez em quando, de modo arbitrário, vem ao mundo, interrompendo as leis da natureza. Porque acredito que Deus está dentro e não fora, pois é Força criadora infinita, não acredito nos tais milagres. Porque creio nos milagres do amor, pergunto muitas vezes porque é que ainda não foi canonizado o Padre Américo, modelo de amor cristão, em generosidade sem limites, inteligente e eficaz, no quadro de uma pedagogia para a liberdade e autonomia. Anselmo Borges

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