quarta-feira, 11 de junho de 2008

PONTES DE ENCONTRO




A “liberdade dos sistemas” e a liberdade do Homem

No passado dia 6 de Julho, o ex-comissário europeu António Vitorino escreveu no “Diário de Notícias”, um artigo sobre “a tripla crise” que afecta as várias regiões do globo. Focando-me, apenas, na crise financeira, o Dr. Vitorino escreve que “o sistema capitalista tem a inegável vantagem comparativa de ser o único até hoje que passou a prova dos factos, contemplando ao mesmo tempo liberdade e desenvolvimento económico…”, ao mesmo tempo que está “crente” que tudo isto se voltará a reequilibrar, através da “reconfiguração de variáveis essenciais do próprio sistema” capitalista, que, segundo ele, não está “isento de perversões e excessos.” Também no dia 2, do mesmo mês, o “Diário Económico”, publica uma entrevista com o Presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, na qual este diz que a crise actual é “um fenómeno global: o assunto é global, o desafio é global e precisamos de uma resposta global.” Mais adiante, reconhece que “Há códigos de boas práticas, de conduta que poderão ser voluntariamente discutidos e adoptados e se “tais códigos voluntários são insuficientes (…) ou se o sector privado for incapaz de concordar com as regras necessárias para promover e garantir estabilidade, estaremos claramente perante um caso de regulação pública.”
Estas declarações, nos tempos que correm, não deixam, se é que as havia, margens para dúvidas: a subida do preço do petróleo e dos alimentos e toda a desregulação financeira que anda por aí a afectar, gravemente, a vida de milhões e milhões de pessoas por todo o mundo, que leva a que outras tantas não tenham acesso aos alimentos básicos para a sua sobrevivência tem uma fonte: o sistema capitalista ou, se alguns quiserem, as suas “perversões e excessos”, como diz António Vitorino, ou, como diz o Senhor Trichet, estes são os riscos inerentes em vivermos numa economia de mercado.
Como em tudo na vida, nestas coisas de teorias económicas, “cada cabeça cada sentença”, pelo que uns dirão que é necessário, ainda, uma maior liberalização dos mercados; outros já estão a ver em tudo isto o fim, inevitável, do sistema capitalista; para outros tantos, estas crises são fenómenos cíclicos e naturais, pelo que o tempo se encarregará de recolocar tudo outra vez no lugar, enquanto outros já pensam que há que encontrar sistemas económicos e políticos alternativos, aos seguidos até aqui.
Como cidadão e cristão, não deixo de me interrogar e de me preocupar, seriamente, com o caminho que o mundo está a levar. O Presidente Trichet, reconhecendo que as coisas não estão bem (ele não especifica para quem) transmite a ideia de que há que evitar, tanto quanto possível, qualquer atitude de regulação dos mercados, por via dos Estados, dando a primazia que esta seja feita pelos próprios mercados e que paciência é coisa que não lhe falta para ficar à espera que tal aconteça. Mesmo assim, a fazer-se tal regulação, os seus resultados e alcance serão sempre discutíveis. O mundo está assim tão refém destes conceitos tão pouco transparentes, complexos e injustos?
Ou será, então, este o preço apagar pela anunciada “liberdade”, de que fala António Vitorino? Mas que liberdade? Uma pessoa que morre de fome é livre? Uma família que não tem dinheiro suficiente para as suas despesas é livre? Uma pessoa que perdeu o seu emprego é livre? Em resumo: onde está, a liberdade de quem não tem possibilidade de escolha ou de decisão, mesmo que um certo sistema económico diga que a respeita? E a liberdade intrínseca à essência do ser humano, onde fica no meio de tudo isto? Só por si esta também não basta, se não estiver acima da “liberdade do(s) sistema(s)”, nem se deixar condicionar por esta “oferta”. A liberdade não se oferece! Ou se tem ou não se tem! Confundir pobreza ou riqueza com a liberdade pessoal é uma falácia. Quem assim o fizer, já transformou a liberdade numa mercadoria e a riqueza num meio para a comprar, como se tal, aliás, fosse possível. Este é um dos pecados do capitalismo, seja sobre que forma se apresente, procurando confundir, quanto muito, liberdade com sonho, supostamente ao alcance de ser concretizado por todos, com a promessa de uma vida cheia de êxitos e fortuna. Fora disto, só existem os fracassados ou os vencidos da vida, que nem direito têm ao reconhecimento da sua própria liberdade, baseada, sempre, na dignidade pessoal e no reconhecimento que é devido a cada ser humano.
Vítor Amorim

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