A mitologia do futebol
1. Se no final, com realismo absoluto, se fizessem contas à vida, muitos clubes e selecções já teriam fechado as suas portas. Só a equipa Espanha, justa vitoriosa do Euro 2008, teria totais razões para sorrir e sentir os frutos do investimento realizado. Mas há muito tempo que as razões foram vencidas, fazendo deste desporto colectivo mais popular do mundo um autêntico caudal de expectativas e representações. Mitologicamente, a aposta do futebol é mesmo essa, encontra-se sempre assente fora da realidade, está no futuro expectante e poucas vezes se tiram, até às últimas consequências, as lições das práticas presentes. Quantas avaliações objectivas não são feitas no mundo do futebol? E se se comparasse o futebol com uma empresa…? Quantas vedetas desiludem e quantos os que se deixam iludir? Quantos nomes famosos nas camisolas representam bem mais o ir à boleia de feitos passados que o empenho dedicado no presente? Estas e tantas outras perguntas pouco se fazem e pouco se respondem…, pois o facto de só um poder ser o vencedor até justifica todas as apostas no futebol muito acima das quatro linhas: publicidade, TV’s, apoios públicos, que parecem superar todas as crises.
2. Segundo registo histórico, tudo começou a 26 de Outubro de 1863, numa reunião entre representantes de 21 clubes, em Londres, tendo sido criado a Football Association. A universidade, instituição secular europeia, esteve na origem da organização do futebol: foram as regras da Universidade de Cambrigde a primeira base de estruturação do futebol. Ebenezer Cobb Morley foi o idealista da Football Association, entidade a que presidiu entre 1867 e 1874. O fenómeno foi-se estendendo; a primeira partida internacional foi entre Inglaterra e Escócia. Na expansão crescente, e contra a visão inglesa que pretendia ter e manter o formato da gestão do futebol, um grupo de países europeus criou, em 1904, a FIFA, Fédération Internationale de Football Association. Com esta organização o futebol popularizou-se e, com “amor à camisola”, começou a difundir-se pelo mundo, tendo sido a África do Sul o primeiro país não europeu a aderir ao novo desporto de equipa em 1909. Depois aderiram a Argentina e Chile (1912) e os Estados Unidos e Canadá em 1913.
3. O crescimento foi tal e continua a ser que ao futebol tudo se junta: moda, canção, política, a par de uma publicidade férrea (como diz Lipovetsky). Uma futebolização social tornou-se, pelo menos na Europa, uma nova espécie de “religiosidade” laica: tudo se escalpeliza, tudo se analisa, tudo se prepara, tudo se agita e grita, festeja ou sofre, numa catarse que por vezes se manifesta até como risco e violência pública. Mesmo nos tempos de crise sócio-económica, a mágica mitológica que contém já o futebol faz com que não pare o seu crescimento. O saldo positivo para a UEFA do Euro 2008 é ainda bem superior ao do Euro 2004 realizado em Portugal. Até onde irá a força dominante do futebol (que ao longo do ano consegue condicionar noites de semana que baralham por completo as agendas da desejada participação social e cultural)? As coisas são como são! Contra factos não há argumentos. A “coisa” cresce, e de que maneira… Os caminhos da Europa andam à volta do estádio, parece que tem que se jogar mesmo com a bola! O que era só entretenimento está tornado a vida colectiva?