quarta-feira, 4 de junho de 2008

Entre a euforia e a depressão

É muito mais que um jogo de palavras. É a distância curta entre a porta de David de hossanas e o Horto do abandono. É o risco simples que separa os que aclamaram rei e os que - possivelmente os mesmos - preferiram Barrabás. O fio entre o louvor e o vitupério. O estado de alma flutuante entre uma festa intensamente passageira e uma dor friamente prolongada. Um tempo de fartura no Egipto com o Faraó a esbanjar tudo, e o tempo magro com o filho mais novo de Jacob a racionar as migalhas para cada mesa carcomida de olhares esfaimados. Diremos, resignadamente, que é a vida, na sua complexidade de andamentos, ora alegres ora arroxeados de adágios intermináveis em tons menores. Quem sabe medir com precisão a vida? Estas divisões e fronteiras estão na nossa cabeça e na nossa cultura. A sofreguidão do todo em cada momento, do indivíduo para além da comunidade, do agora contra todos os futuros, da exaustão do bem estar imediato a todo o preço, do relativo anteposto a todos os absolutos, com o individualismo em nome do direito de cada pessoa, do mundo, enfim, para mim voltado como se fora o único, e o instante de prazer como a eternidade comandada por pulsões do agora. Por isso se torna difícil a gestão da crise, da dor, da construção paciente de edificação invisível, do investimento sem resultados palpáveis, dos gestos significativos apenas quando vistosos. A ascese cristã pode ensinar-nos esta subida à montanha com a esperança a reforçar o coração, o alto a mitigar o cansaço, o tempo no ritmo certo da nossa marcha, conjugada com o caminhar da história, que é como quem diz com o projecto de Deus. A que vem todo este filosofar breve? Vem à crise que nós vivemos para além das nossas fronteiras porque o jogo desenfreado do negócio, mais conhecido por mercado livre, faz estremecer os alicerces da casa, da saúde, dos transportes, da cultura, da sobrevivência de crianças e idosos. A especulação é o serviço oportunista dos espertos que adivinham a inclinação do barco.Com esta crise algo se deve afundar para que o barco seja salvo. Há pesos de bugigangas inúteis que importa deitar fora. Isso é muito mais importante que colocar a euforia ou a depressão no prato descontrolado da balança do petróleo. Não podemos, neste momento, fechar-nos no nosso casulo. Mas é imperioso reconhecer que muito há a mudar nos nossos hábitos pessoais e comunitários.
António Rego

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