Germana Tânger (foto de 1962)
Ontem à noite, na RTP2, assisti ao programa "Câmara Clara", de Paula Moura Pinheiro. A conversa, de mistura com recordações e informações culturais, teve, como ponto de partida e fonte, Germana Tânger, uma senhora na arte de dizer poesia. Dizer e não declamar, como sublinhou. Arte que ensinou a outros artistas, alguns dos quais ainda hoje a consultam. Com a serenidade dos seus 88 anos, falou, com palavras bem medidas e bem ditas, da sua convivência com grandes poetas e vultos da cultura lusa. Simplesmente belo o momento em que disse de cor o poema Aniversário de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), um poeta que lhe é muito caro.
Almada Negreiros, José Régio, João Villaret, Mário Sá-Carneiro, Mário Viegas, Vitorino Nemésio e Fernando Pessoa, entre outros, vieram até nós pela memória de Germana Tânger, com a ajuda ou desafio da responsável pelo programa. Foram momentos agradáveis.
Depois deste momento televisivo, dei comigo a pensar na mediocridade que reina nas nossas TVs. Há programas bons, é verdade, mas também muitos outros de lixo autêntico. Não há por aí um caixote perto?
Ontem à noite, na RTP2, assisti ao programa "Câmara Clara", de Paula Moura Pinheiro. A conversa, de mistura com recordações e informações culturais, teve, como ponto de partida e fonte, Germana Tânger, uma senhora na arte de dizer poesia. Dizer e não declamar, como sublinhou. Arte que ensinou a outros artistas, alguns dos quais ainda hoje a consultam. Com a serenidade dos seus 88 anos, falou, com palavras bem medidas e bem ditas, da sua convivência com grandes poetas e vultos da cultura lusa. Simplesmente belo o momento em que disse de cor o poema Aniversário de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), um poeta que lhe é muito caro.
Almada Negreiros, José Régio, João Villaret, Mário Sá-Carneiro, Mário Viegas, Vitorino Nemésio e Fernando Pessoa, entre outros, vieram até nós pela memória de Germana Tânger, com a ajuda ou desafio da responsável pelo programa. Foram momentos agradáveis.
Depois deste momento televisivo, dei comigo a pensar na mediocridade que reina nas nossas TVs. Há programas bons, é verdade, mas também muitos outros de lixo autêntico. Não há por aí um caixote perto?
FM
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Aniversário
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui - ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas - doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui - ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas - doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Álvaro de Campos
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Álvaro de Campos