domingo, 27 de maio de 2007

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 25




O MOINHO
DOS TRASGOS
E A MOURA


Caríssima/o:

Gostaria de aproveitar para saudar todos os Parentes que tiveram suas raízes em Vimioso e, para nós, em Argoselo, hoje Vila. De lá vieram os Ataíde Fernandes; com vice-reis da Índia ou sem eles, a nossa geração aí está também ela pelos quatro cantos do Mundo (olá Artur!) e outros pela Gafanha (Viva Óscar! Como estás Humberto!), ainda alguns por terras de Bragança (Ei, Domingos!) não contando os que já vivem no Reino (Cravo da Rocha, estamos contigo!), isto sem esquecer a todos os outros que a todos envio o meu trasgo.

«O Moinho dos Trasgos fica no sítio do Caniço, na margem esquerda do ribeiro de Riaduros, afluente do Carvalhal. Bem, o que lá está são apenas ruínas. Não se demorem lá muito porque também o moleiro que o trabalhava o abandonou. É que, certa noite, quando ele assava um bocado de carne, um trasgo juntou-se-lhe para assar uma espetada de lagartixas. E não é que o trasgo queria pingar a gordura exactamente no pão em que o moleiro aparava o bocado de carne?!! O moleiro conseguiu que o trasgo se fosse embora, mas verdade é que ele deixou de trabalhar ali e ninguém se apresentou para tomar conta do moinho. Ah, mas esquecia de dizer o que são trasgos! Pois, ainda que o dicionário da Academia os não inclua, trasgos, conforme a crença popular, são espíritos irrequietos, muito movimentados, que pregam sustos mas não incomodam muito...

Agora vá o leitor a Algoso e lá que o levem à Fonte de S. João. Escolha a véspera do dia de S. João, ponha-se à coca. Sabe o que verá? Pois o mesmo que um rapaz dessa aldeia, que se apaixonou pela lenda. Pois à meia-noite, lá no abrigo em que se encontrava, viu uma enorme serpente que se dirigiu para a fonte. O ar estava que nem num sonho, vindo belos aromas de um roseiral ali perto. Pois a serpe mergulhou três vezes nas águas e transformou-se numa linda moura de cabelos dourados. Saltando para o chão de terra batida, a menina sentou-se na borda da fonte a cantar e a pentear-se. Apareceu então uma corça, procedente de uma mata próxima. A moura fez-lhe festas e o animal lambeu-lhe as babuchas. A moura depois inclinou-se para a fonte e chorou copiosamente. Então, o leitor, tal como o rapaz da lenda, ficará de boca aberta e fará um movimento qualquer, no qual se quebrará um ramo seco e o encanto, baixando uma névoa sobre a Fonte de S. João. Gostaram da perspectiva?
Bem, falta o leitor saber o porquê da ida à fonte. É que no tempo em que ainda havia mouros por Trás-os-Montes, na aldeia de Algoso, havia um mouro que tinha costela de bruxo. Sabia o passado e o futuro de toda a gente menos do seu próprio. De toda a parte iam lá consultá-lo. E de todas as classes. E assim foi juntando o seu tesouro.
Um dia, correu a notícia de que tropas cristãs se aproximavam de Algoso. O homem, que já ia entrado na idade, pegou no baú das suas jóias e andou em busca de sítio para o esconder. E andou, andou, andou, até chegar à Fonte de S. João de Algoso. Verificou que ninguém o estava a espiar e, logo por baixo da fonte, afastando os ramos de um chorão, aí meteu o seu tesouro. Mas quando acabou de o esconder, ergueu os olhos e deu com uma menina moura e julgou que ela o observava. Teria, na verdade, visto onde ele escondera o tesouro?
Pelo sim e pelo não, com um gesto mágico e uma oração secreta, lá fez desaparecer a moura. Pode ser que o leitor a conheça quando lá for...»

[Viale Moutinho, pg. 304]

A moura terá desaparecido, mas será que o tesouro ainda lá está ou minha Avó o trouxe para a Gafanha?

Manuel

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