terça-feira, 17 de julho de 2007

Um artigo de Alexandre Cruz

Porque nos abstemos de participar? 1. Quem ganha as eleições quando quem vence, de facto, é a abstenção? Talvez esta pergunta, sintomática, seja o espelho de tantas eleições em democracia como do recente acto eleitoral para a autarquia de Lisboa. Pelas tendências estudadas da indiferença que se vai generalizando, e que leva já alguns países europeus a “obrigarem” os cidadãos a votarem sob pena de perderem direitos de cidadania, será de salientar que para uma desejada maturidade democrática não haverá nem praia, nem julho, nem sol nem chuva, nem futebol, nem credibilidades ou descredibilidades de candidatos, “nada” existirá que justifique a habitual (e pacífica, não há outro remédio!) ausência da participação eleitoral. 2. As 1001 razões justificadoras da abstenção a que nos vamos acomodando, no presente, ausente e difícil Portugal, só virão pactuar com essa ideia de passividade e conformismo com a nossa pacata forma de ser. Qualquer acto eleitoral – e é uma privilegiada conquista democrática a possibilidade de votarmos -, pelo seu absoluto secretismo e liberdade, demonstram o autêntico pensar, ser e, no fundo “agir”, sobre a realidade concreta de cada dia; e a este respeito, a conclusão generalizada será que os cidadãos estão longe da “sua” cidade. Que cidadão é aquele que não vota, não participa, não tem (nem quer ter sequer) qualquer ideia para a sua terra mas que depois está na primeira linha da reclamação dos seus direitos? 3. Quem é o “cidadão” que, não cumprindo os seus deveres mais básicos, enche-se de destemida coragem para exigir os seus direitos? Se não concordam com as políticas, então manifestem-no no voto; se sentem sintomas de descredibilidade do nosso sistema democrático, reforçadamente participem afirmando suas visões alternativas. Se a política no seu entender está desmotivante com que motivação “querem” algo de novo? Que sugerem de novo? Entre as diversas interpretações a que mais nos custa é a suave ideia de que “abstenção” será um sinal que os cidadãos dão aos partidos e aos movimentos cívicos de que não concordam com as formas de política realizadas… Quanto a nós, puro engano! Não se tratará de qualquer sinal; será precisamente um não sinal, um “nada” indiferente; nem sequer uma manifestação de desencanto. 4. A política será a “arte” do possível. Assim, diante da desmotivação ou das dificuldades da realização política o cidadão consciente, sob pena de se perder a si próprio, não poderá responder com a indiferença. Na essência, todo o cidadão é político; e em circunstâncias em que não haja identificação com qualquer programa candidato, coerentemente, a forma efectiva de demonstrar essa insatisfação não será a abstenção, pois nesta não há sequer a deslocação ao local do voto. Os cidadãos têm o poder fundante da democracia, mas deixam-no à deriva… É nesta linha de novo compromisso com a vida de todos (que terá de ser afinal a actividade política) que nas sociedades ocidentais, comodamente democráticas, vai hoje progredindo a reflexão sobre a abstenção e a indiferença. 5. Como entender o futuro da liberdade nos contextos abstencionistas? Bem sabemos, e a história assim o diz, que comunidade que seja indiferente à sua gestão e liderança abre permeabilidades a formas menos democráticas de presidir e governar. Neste contexto, hoje tornar-se-á imperativo o aprofundar o facto consumado da “não-participação” (esta que até pode dar jeito em linhas de pensamento menos saudáveis e menos servidoras da dignidade humana e do bem comum). Na actualidade, a abstenção estende-se por uma transversalidade de áreas, da cultura ao associativismo, da política à educação. Aprofundemos a “participação” como eixo estruturante da vida em sociedade; quando não, perdendo a democracia a sua própria frescura original, um certo individualismo sem valores vai alastrando, como o mais doce chocolate; é que até não dá trabalho e é cómodo. O futuro – ainda que no mundo virtual – não se poderá render a este facto, precisa da participação de todos!

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