quinta-feira, 14 de junho de 2007

Um artigo de D. António Marcelino

O ESTALAR DO VERNIZ
E O PENSAMENTO ÚNICO
Não sou leitor assíduo de Daniel Sampaio e, sem que isso lhe retire o mérito que tem, não o vejo como guru que sabe tudo sobre educação de adolescentes e jovens, nem como mestre incontestável das melhores teorias para os compreender e orientar. Também o li e comprei alguns dos seus livros. Opinião formada, agora sou observador. Em educação não se pode nem deve esperar tudo de uma pessoa só, ainda que seja professor universitário. Os problemas da educação são complexos e não são todos do foro médico e psiquiátrico. Situação familiar, contexto social, instabilidade da escola, uso livre das novas técnicas de comunicação, permissividade alargada, crise de modelos e referências, cedência dos mais velhos, diálogo geracional raro, perda de sentido na vida, janelas fechadas ao transcendente e à esperança, tudo foi tornando o mundo da gente a educar um mundo com mais problemas que diagnósticos lúcidos e soluções à vista. Quem quiser ter êxito neste campo, tem de ser humilde para acolher e escutar, pondo de parte a suficiência intelectual e o afã das palmas e dos êxitos. Não estranhei que a Ministra da Educação, ao constituir uma comissão nacional encarregada de propor caminhos para a educação sexual nas escolas, tenha escolhido Daniel Sampaio como seu coordenador. Estas escolhas têm sempre a sua lógica. Porém, não é de aceitar, sem mais, que a proposta apresentada deva ser obrigatoriamente considerada como a única opinião válida e o caminho indiscutível para um problema urgente e grave e de solução difícil. Ao falar-se de educação sexual nas escolas, fala-se de pessoas, ambiente, conteúdos, agentes, meios e instrumentos. Neste, como noutros campos melindrosos, não se podem esquecer, nem menosprezar, elementos importantes para a sua compreensão e resposta, como são os educandos concretos e os intervenientes naturais e óbvios, aos quais esta função primariamente compete, os pais e a família. O Estado não se pode considerar, como está a acontecer, dono das crianças, dos adolescentes e jovens que frequentam as escolas estatais. Por vezes, forçado por lobbys, que no ensino escolar abundam, determina e exige. Para a execução, não lhe faltam mandatários que esgotam o seu saber e acção, controlando o que se faz e se deve fazer. Muitas vezes sem respeito por quem está em campo. Um critério os domina e orienta: o que manda a senhora ministra e os senhores secretários de Estado. Muita gente viu há dias um programa na televisão pública, sobre a educação sexual nas escolas. Teve algum mérito como estratégia, mas pareceu querer dizer ao país que, neste campo, as coisas só são aceitáveis como diz e quer a sábia comissão e o seu presidente. Foi este que, aos olhos atentos dos telespectadores, abafou opiniões contrárias, não se coibindo de puxar, a despropósito, pelos galões de professor, chegando a ser deselegante para quem opinava de modo diferente, nomeadamente uma colega de mesa com reconhecido valor nacional. Tão nervoso ficou por se ver confrontado, que lhe estalou todo o verniz. Eu não esperava isto. E tinha direito a não o esperar. Interroguei-me sobre o que se pode esperar de sábios de opinião única, que não se controlam, nem aceitam opiniões e considerações alheias. Sou por uma educação sexual séria, que não se reduza a mera informação, ajude a crescer harmoniosamente, amadurecer, discernir e optar, conte com os pais, formando-os para isso, se for caso. O ME tem de dizer se os pais contam ou não para o governo. Não pode pensar que crianças, adolescentes e jovens, em formação, não passam de terra de ninguém e massa informe, a moldar segundo modelos e valores preestabelecidos. A educação escolar, objectivos pretendidos, conteúdos veiculados, modelos propostos, estratégias escolhidas, está a ser problema grave. Há gente nas escolas, com valor e competência, a dizer que vamos por caminho errado. O ME não a ouve, nem a quer ouvir. Mas as crianças não pertencem ao Estado, nem podem ser suas cobaias. Educar é arte, arte difícil. Nem as pessoas são coisas, nem os artistas se geram por decreto.

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