domingo, 17 de junho de 2007

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 28


A CARTA AO REI ... E AS NINFAS



Caríssima/o:


Certamente que, chegado a Coimbra ido da nossa pacata aldeia, foram muito importantes os primeiros contactos e as relações estabelecidas com os companheiros de pensão da Couraça dos Apóstolos. De dois recordo o nome: o Medina e o Eduardo. O primeiro era o típico Dux de Coimbra cuja faculdade de medicina frequentava há tantos anos que até já nem sabia quantos! O quarto e os corredores pejados de livros que devorava até a aurora romper, eram a prova da bagagem cultural que à mesa espargia humildemente. Acordou quando o pai lhe comunicou de Moçambique que lhe ia cortar a mesada! Terminou o curso num relâmpago... depois de se habituar aos horários dos exames!
O segundo era um mocito ali dos lados de Mira e que um dia abalou sem deixar rasto. Certamente que terá continuado o comércio que seus progenitores lá exerceriam... E mais não sei. Contudo, as brincadeiras e as músicas que vivemos nas tardes de fim-de-semana não mais foram esquecidas...
Anos mais tarde, a Mira fomos uma vez cumprir uma promessa de minha Sogra,...
Agora me lembrei o que estava a ficar esquecido: as nossas idas de bicicleta para visitar a minha primeira professora, a D. Zulmira. Lá íamos, em grupo, pontificado pelo Hortênsio. Grande resistência física acumulávamos nas 'canetas' pois ir e vir no mesmo dia, upa, upa... Seria das sardinhas assadas que nos serviam de almoço?
Fiquemos então com lendas de Mira.


«Permitam que nesta série intervenha o vigário Tomé Nunes Pereira de Resende, através de um excerto da carta que escreveu ao rei José I, a 2 de Maio de 1758. Pois ele aí conta a lenda de S. Tomé debaixo da amieira.
É orago e padroeiro desta freguesia o glorioso apóstolo S. Tomé, bem conhecido e nomeado por S. Tomé de Mira, pelos muitos milagres que há tantos séculos está continuamente obrando, sem afrouxar nunca nem a devoção dos fiéis nem a protecção do santo em favorecer aos que se valem do seu patrocínio, como o está mostrando cada dia a experiência. Há tradição que esta sagrada imagem do glorioso S. Tomé aparecera debaixo de um tronco de uma amieira em uns bosques ou pauis que eram ribeiros e se compunham de várias amieiras e de outras árvores silvestres e, não fica muito distante da lagoa, ainda que, com alguma distância desta vila; e há também tradição que por aquele sítio aonde aparecera o santo, se lhe não podia fazer igreja, por razão das águas daqueles ribeiros ou pauis lhe impedirem, lha fizeram em um sítio chamado hoje o Outeiro da Forca, onde ainda se vêm os vestígios de algum tanto distante do sítio aonde aparecera a dita sagrada imagem, e que, colocando-se na nova igreja o dito santo incitou os sacerdotes daquele tempo para dizer missa e os fiéis para visitar o mesmo santo, o não acharam na dita nova igreja, mas sim naquele lugar aonde aparecera, até que desenganados que o santo só naquele sítio aonde tinha aparecido queria permanecer, para nele ser Deus Nosso Senhor maravilhoso nos prodígios que por ele havia de obrar, lhe fizeram uma igreja tal qual permitia aquele sítio, ficando o altar da capela-mor no mesmo lugar aonde o glorioso santo aparecera, e a dita igreja sendo matriz desta freguesia e o dito milagroso S. Tomé padroeiro dela que, ao depois foram acrescentando conforme ia dando aquele sítio.
No início do século XX a Praia de Mira não era como hoje é. O areal era mais plano e o mar invadia mais facilmente a barrinha e esta, nas cheias, facilmente ultrapassava a lingueta que a separava do mar.
Diz a lenda que nessas ocasiões, Neptuno e as filhas Tétis e Dóris, vinham baptizar as ninfas à barrinha. Elas, após a cerimónia, ficavam transformadas em sereias que depois se dirigiam para o Atlântico.
Só que um dia naufragou ali o barco de um pescador e uma das sereias não conseguiu alcançar o mar. Alcançou-a o pescador que se perdeu de amores por ela. E foram tão intensos os beijos que trocaram que ele morreu de exaustão e sede abraçado a ela.
Então, Tétis castigou a sereia convertendo-a numa ilha à saída dos moinhos da Videira, para que a doçura da água lhe absorvesse todo o sal. Já Dóris transformou o pescador numa duna branca em forma de golfinho com o rosto virado para aquela ilha que tem o nome de Zé Arrais.
Às vezes, de noite, escutam-se os sussurros que os dois extremosos amantes ainda trocam...»
[Viale Moutinho, pg. 148]


Manuel

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