quarta-feira, 23 de maio de 2007

Um artigo de Alexandre Cruz


As cidades e as contas


1. A vida é feita de apostas que procuram abrir o melhor futuro para todos. Naturalmente que para a consistência de projectos o “fazer contas à vida” será pressuposto essencial, a fim de se levar a bom porto o ideal que se pretende construir. Sendo certo que existirão circunstâncias e visões estratégicas que poderão representar forte investimento no presente de que se colherá frutos no futuro, todavia, só na cuidada e rigorosa atenção sensível e responsável se poderá garantir a básica sustentabilidade real para os projectos em mente e em mãos.
“Ter mais olhos que barriga” poderá, tantas vezes, significar o viver acima (de mais) das possibilidades o que fará ruir as pontes do futuro. Aliar a ambição expansionista de projectos reformistas ao equilíbrio de realizações com gradualidade sustentada significará o assumir de uma visão política integral, onde se alia o rasgo futurista à realidade presente, não se perdendo nos calores emocionantes da obra feita mas vivendo o autêntico espírito de serviço à comunidade. Lideranças e oposições ter-se-ão de remodelar em consensos estratégicos, pois se não nos alicerçamos, não olhando a meios para atingir fins, a casa pode ruir por dentro. Hoje são uns, amanhã outros…
2. Olhemos para a autarquia da capital no país, Lisboa. O que vemos e ouvimos por estes dias, no concerne ao diagnóstico da situação, nada dignifica a cidade cosmopolita que outrora despertou sonhos (d)e novos mundos. A situação presente na cidade que deveria ser modelo e paradigma referencial para as outras cidades do país é fruto de décadas de (des?)governo do passado e o seu eco estende-se como hábito de gestão por muitas cidades do país. (Se a capital faz porque não eu?!) Como os cidadãos (cumpridores) sentem a gestão da cidade que não cumpre os seus deveres para com os cidadãos? Que atitudes e (des?)credibilidades gerará esta incoerência interna da actividade política autárquica e política em geral?
Talvez, ainda na luta pela sobrevivência, esteja no nosso sangue a despreocupação com aquilo que não nos atinge directamente; talvez nós cidadãos tenhamos deixado andar, gerando-se o costume laxista que foi comprometendo o rigor necessário. Talvez o ponto a que chegámos seja a “meta” que nos mostra que a caminhada que nestas décadas temos percorrido foi um percurso em crescendo, tanto em realidades boas nas lindas cidades portuguesas, mas como também num impressionante desequilíbrio litoral/interior a par do mau hábito de deixar a casa sempre desarrumada. Esta desarrumação foi minando a seriedade e dignidade políticas.
3. «Dêem-me todo o dinheiro do mundo que farei toda a boa obra, pois não preciso de me preocupar com o “depois”», dirá o cidadão. Vivemos o “depois” dramático de muitos “depois” não pensados e ingeridos. Adiar indefinidamente a consistência e sustentabilidade do governo equilibrado das cidades é comprometer o futuro; as grandes cidades, de que hoje muita gente foge (deixando-as ocas) e onde se torna difícil sentir a vida saudável e a cultura, tal o (dês?)ordenamento que ela vive. O problema, arrastado nas últimas décadas, não encontrará soluções instantâneas nem simplistas, embora algumas decisões nomeadamente ecológicas (também para uma melhor mobilidade) sejam inadiáveis.
Não se trata de uma cidade qualquer, falamos de Lisboa, a capital política que dá este sinal desnorteado ao país. Lisboa que, como alguém dizia, não é só dos lisboetas, é do país. Às vezes impressiona como os candidatos (que têm de mostrar toda a valentia) não têm um mínimo (humano) de medo e receio de não ser capazes de por as contas (sociais, culturais e económicas) em dia. A desordem das contas que é espelho da desordem de ideias… Das duas uma: os candidatos ou não se aperceberam da realidade da situação tornando-se exteriores à vida concreta, ou interessará bem mais a “partidarite” da vitória que a gestão complexa do bem comum. Nos últimos anos temos perdido nas campanhas eleitorais autênticas oportunidades de ver (com olhos de ver) como vamos e o que queremos. Será mais do mesmo? Em democracia viva a actividade política é o que o povo quiser que seja. Queremos algo de novo (não só denunciar mas propor concertadamente)? Ou já só navegamos na democracia virtual?!

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