sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

UM ARTIGO DE D. ANTÓNIO MARCELINO



AO ARREPIO DO AMOR E DA VIDA,
PARA ONDE CAMINHA O PAÍS?



Sem ser profeta da desgraça, nunca foi esse o meu jeito, estou convicto de que, ou se muda de rumo ou nos espera uma sociedade sempre mais desumanizada.
Ninguém pode viver sem amor. Porém, o amor que é fonte de vida, de doação generosa, de respeito mútuo, de serviço aos outros, de partilha de dons, de convivência sadia, de compromissos permanentes, de gratuidade nas relações pessoais, de espaço de voluntariado social, de estímulo a ir sempre mais longe no bem, vai-se tornando coisa rara. Quem teima em andar por esse caminho é, frequentemente, ridicularizado.
A vida é o mais essencial dos donsrecebidos. Porém, ela hoje troca-se e despreza-se por caprichos pessoais, afirmações discutíveis e aberrantes de liberdade, fuga à justa humilhação por actos cometidos, razões sem razão, confusões premeditadas, interesses inconfessáveis, vinganças inconsistentes, promessas eleitorais… Muitos dos que lutam pela vida gerada, sua educação, reconhecida nos seus direitos e enriquecida na sua aceitação e convivência, são agora apelidados de gente menor, escrava do religioso, enfeudada a instituições de somenos e alheia ao sentir do mundo moderno.
O exemplo estimulante de outros países, por aí propalado, é aqui aceite de modo acrítico. Aí se vê, também eles em crise, que não basta o nível de bem-estar material, para que haja felicidade, riqueza de sentido, convivência sadia e liberdade construtiva.
Amor é mais que emoção. As emoções abundam consoante os incentivos e dão, facilmente, em desamor e até em ódio. Amor é a riqueza de um coração lavado e sereno. Não se dispensa quando se gera vida, ela se educa, se acolhe, se respeita e estimula.
Quem trata com pessoas e no interesse delas, como pais, educadores ou professores, fazedores de leis, executores e juízes das infracções, jornalistas dos jornais e revistas, gente das televisões, rádios e espectáculos, industriais e comerciantes, a todos se pede coração, para saberem o que ajuda as pessoas a serem pessoas e agirem como tal. De contrário, não resta senão o horizonte curto, por vezes rasteiro, dos interesses pessoais e dos de grupos e facções. Sem amor que é vida, os pais viram egoístas, os educadores em meros funcionários, os agentes públicos em servidores de si ou do seu partido, a gente da comunicação social em escrava das audiências e a gente dos negócios fixam-se no lucro desejado, sem olhar a meios para o conseguir. Vamos ficando indefesos na sociedade, se nela rarearem pessoas com valores morais e éticos, princípios orientadores sãos, sentido dos outros, capacidade de amar e de acolher a vida como valor sagrado
Como se chegou ao desprezo pela vida já gerada, à corrupção que por aí se estende, à inversão do sentido da liberdade pessoal e pública, à rampa legal de destruição de famílias estáveis, ao aumento incontrolado da pobreza material e moral, às múltiplas formas de exclusão social, à multidão de filhos sem pais e de pais que se negam à responsabilidade de os ter gerado, à insegurança corrente e à desconfiança nunca vista?
Onde fenece o amor, empobrece a sociedade, a vida perde lugar, torna-se mais difícil, por vezes insuportável. Os fautores de uma sociedade a seu modo, rejeitam nela toda a influência do religioso e do sagrado, sem advertirem que pelo caminho de um laicismo, cego e serôdio, secam as raízes fecundas do humano que somos. A fé dá sempre sentido e segurança à vida, e capacidade inesgotável de um voluntariado social gratuito.
É urgente lançar pedradas neste charco, inquinado e pútrido, em que se vai tornando o país. De outro modo, ele o estará sempre mais. O meu “não” consciente, como cidadão responsável, à proposta do aborto, é o modo que tenho agora e não vou desperdiçar, de denunciar o rumo que o país leva, e de continuar a clamar, enquanto a voz me dure, que, ao arrepio do amor e da vida, que a fé no Deus do Amor, Senhor da vida, alimenta e defende, só nos resta uma sociedade anestesiada, a caminhar para uma nova barbárie.

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