quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

UM ARTIGO DE D. ANTÓNIO MARCELINO

IGREJA CONSERVADORA
E OBSCURANTISTA?
Estamos em tempos em que o respeito mútuo deve ser a regra de ouro da convivência pacífica, mas em que alguns parecem ter jurado não ir por esse caminho. Haverá gente assim em todos os quadrantes da sociedade, tanto políticos como religiosos, e teremos por isso de nos acautelar para que as divergências de opinião, sempre legítimas, não criem muros difíceis de transpor, nem espaços de incomunicação. Para isto há que usar a cabeça, depor os preconceitos, olhar o outro como pessoa, dar consistência válida às opiniões, cultivar projectos de paz e de construção de uma sociedade onde todos tenham lugar. Ser diferente ou ter uma opinião diferente não quer dizer que se seja inimigo. O pluralismo é sempre um enriquecimento, quando as pessoas têm dimensão moral, sabem acolher e respeitar, não nadam no vazio. É evidente que o diálogo e a convivência se dificultam a ponto de se tornarem impossíveis, se as pessoas contarem menos que as ideias e as coisas e se, por detrás, das opiniões dominarem interesses de qualquer ordem ou apenas houver emoções à procura de justificação. Quando assim acontece, surgem sempre os fantasmas e logo se diz que os cristãos são obscurantistas, que a liberdade tem de ser absoluta, que o deus de cada um é ele próprio, e por aí adiante… Se voltarmos a página, também podemos ver alguns radicalismos e modos de agir no espaço religioso, que podem traduzir algum fundamentalismo inaceitável. Por sorte, há muita gente séria e honesta, em todos os quadrantes da vida social, que mostram que o equilíbrio é possível, tal como o é a convivência respeitosa e sadia. O problema do aborto, que vai enchendo a praça pública, presta-se a um bom exercício de reflexão, serena e fundamentada, de modo a que propostas diversas ganhem valor de cidadania e ajudem a solução de situações pontuais, sem que ponham em causa valores e aspectos fundamentais. Toda a gente, presumo eu, está interessada em promover a vida, esse valor supremo e inestimável, sem o qual nada pode subsistir. O caminho, porém, tem de ser marcado pela honestidade e pela clarividência. O valor da vida não pode dobrar-se ante promessas eleitorais ou programas partidários. Um exemplo: O “Movimento de cidadania e de responsabilidade”, disposto a lutar pelo “sim”, diz que “o feto ainda não é vida humana”. Quem pensa de modo contrário, acrescenta, quer misturar os termos do debate e confundir as pessoas É assim que acontece, acentua, com “a Igreja conservadora e obscurantista”… Mas então, o feto vivo, que é fruto de dois elementos humanos vivos, o espermatozóide e o óvulo, se não é vida humana, o que é? E quando começa, então, a ser? É a vida humana fruto de um salto qualitativo que acontece num momento determinado, ou existe desde o início com todas as capacidades da pessoa, que apenas aguardam o seu natural desenvolvimento e manifestação, para que se possam verificar? Outro exemplo: Um grupo de deputados portugueses no Parlamento Europeu, também defensores do sim, acaba por confessar para justificar a sua luta, que “o resultado deste referendo não interessa apenas a Portugal. Interessa igualmente à Europa, onde outros três países ainda criminalizam as mulheres por interromperem a gravidez: Irlanda, Malta e Polónia”. Assim mesmo. Como é possível assim reflectir, seriamente, sobre o valor da vida gerada e ainda no seio da mãe? Que respeito podem merecer tais posições, se elas não respeitam o essencial de uma reflexão que ocupa o país? Um mundo de misturas, confusões e desvios. Todos reconhecem que o aborto é crime. Então, há que lutar juntos para evitar e erradicar o crime. Quanto às mulheres que decidiram abortar e aos pais que geraram uma nova vida, sempre calados na opinião pública, mas que estão muitas vezes na origem da decisão, os tribunais que os julguem, com a sabedoria e a benevolência possíveis, porque sempre a fraqueza humana nos acompanhará. Mas não se fale de direitos da mãe, nem se omita ou se cale a responsabilidade do pai, esmagando o direito fundamental do filho já gerado. Nem surjam leis para empatar que se ande o caminho que pode levar a uma solução digna de um país humanizado onde todos contem e não apenas alguns sejam considerados.

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