O povo e os pobres
Aqui, como longe, sempre que acontece uma eleição política e explode uma vitória significativa, logo os comentadores retomam a palavra Povo e lhe elegem uma inteligência soberana, quase divina e cega, que atinge a essência subversiva dos jogos políticos.
Nessa engenharia de emoções e números está sempre associada a realidade do povo com os menos favorecidos, os anónimos, os contribuintes, os que têm dez identidades nunca sendo a primeira de prestígio ou riqueza: o cidadão, o autarca, o utente de vários centros, o beneficiário de qualquer segurança, o cliente, o passageiro, o associado.. e por aí adiante. Nesta matéria, nenhuma operação simplex simplificará o que quer que seja.
As elites não elegem ninguém. Podem comprar e vender a bons preços peças elegíveis lançadas no mercado onde se evita sempre prestar contas e, pelos vistos, ninguém se tem ralado muito de as contas não serem claras. Mas é sempre o povo que decide. Bem ou mal, iludido ou de clarividente, o povo é quem mais ordena.
Muitos comentadores brasileiros vão na direcção óbvia da chamada evidência do dia seguinte, com grande fartura de talheres quando todos estão saciados: Lula apostou nos pobres, apoiou situações de miséria, tirou muitos do fosso da fome, soube falar a essa massa anónima que é o último nas escalas sociais mas o primeiro porque o mais numeroso. E ganhou. De permeio, sobressaltos, corrupções, desvios de rota, incapacidades de solução, problemas no fundo da gaveta. Mas a predilecção por esse povo e pelos pobres não só deu nas vistas como se repercutiu na vida de muitos que, desde o Presidente torneiro, passaram a ter uma vida menos má. E, segundo dizem os entendidos, a democracia é o processo menos mau de governar.
Era essa a intuição da Igreja do Brasil quando reafirmava obstinadamente a opção preferencial pelos pobres, ainda que com uma teologia da libertação salpicada de ambi-guidades. O certo é que nesse tempo a Igreja e povo estavam mais próximos. Dizem os números.