Sopro de esperança
num compromisso humanitário
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Um acontecimento da semana alegrou todos quantos têm os outros no horizonte da sua vida, mormente se mais marginalizados e sofredores. Muhammad Yunus, um homem de um dos países mais pobres do mundo, o Bangladesh, porque “soube mostrar que era um líder capaz de transformar as visões em actos concretos para benefício de milhões de pessoas…”, foi-lhe atribuído o Prémio Nobel da Paz 2006.
Não o ganhou por um passe de magia, mas por um sopro de esperança traduzido em compromisso humanizador e que, pela competência científica e sensibilidade do coração, se tornou serviço efectivo aos menos protegidos da sociedade. O microcrédito ficará na história como uma das iniciativas mais bem sucedidas e mais humanas, a favor da pobreza que roça a miséria. Não se trata de uma teoria bonita, mas de uma prática concreta e geradora de vida e de confiança. De um projecto de desenvolvimento humano e social, nascido da solidariedade que ajuda a entender que a paz é fruto da justiça e projecto sempre a realizar-se.
Vai-se repetindo, aparentemente com convicção, que as pessoas são mais importantes que as coisas e o ser está acima do ter. Porém, alguém disse a propósito, que ninguém está totalmente convencido do que diz. Afirma-se o princípio, mas logo depois, com serenidade e desfaçatez, se age em sentido contrário.
Esta atitude que se vai generalizando, mostra bem que a sociedade se envolveu em contradições flagrantes a que já não se reage, porque a doença se tornou contagiante.Quando se toma consciência desta contradição, a que bem se pode chamar mentira social, umas vezes subtil, outras despudorada, logo se tenta, de mil modos, explicar o que se faz e não se faz. Há sempre razões para o justificar, mesmo que não se consiga apagar a evidente contradição entre o dizer e o fazer, entre a explicação e a coerência.
Mais preocupante ainda é ver que a sociedade se deixou enredar nesta teia e parece estar satisfeita. As pessoas acima das coisas! Mas como se entende isto numa sociedade corroída por um consumismo exacerbado, em que o supérfluo de uns não sente o mínimo incómodo com a miséria que mora ao lado? Como, se ouvimos que 250 mil portugueses esperam por um cirurgia e que muitos virão a ser chamados depois de terem morrido? Como, se assistimos a um declínio preocupante da natalidade, ao mesmo tempo que quem governa se vai empenhar, pessoalmente e em cheio, na legalização do aborto? Como, se grupos corporativos querem para si o impossível, sem olhar ao dever de fazerem o possível a favor da comunidade? Como, se somos bombardeados com os números que comandam as políticas, quebrando sempre a corda pelo lado dos mais fracos? Como, se os bancos, com saldos de milhões, são duros e inexoráveis para com os mais necessitados, tirando-lhes o guarda-chuva, como alguém escrevia há dias, precisamente quando começa a chover? Como, se em alguns serviços públicos e mesmo particulares, nem sequer a Igreja é sempre modelo, se mantém um tratamento diferente para as Marias e para as senhoras Donas Marias? Como, se a pobreza real e diversa deixou de nos incomodar e, em vez de acção, se multiplicam razões para não agir? Como, se a obsessão dos números da finança comanda a vida e trucida os que já vivem a meias? Como, se o compadrio com os que mais podem desvia a atenção dos que mais precisam?Solidários nas tragédias ocasionais, todos somos capazes de o ser. Solidários no dia a dia, são bem poucos os que arriscam um tal projecto de vida. Esperamos que o sopro se transforme em vendaval de esperança, porque, quer queiramos ou não, as pessoas valem bem mais que as coisas.
Não o reconhecer será uma omissão com muitas consequências.