devem mostrar
que são
diferentes”
:::
Enzo Bianchi, prior da comunidade de Bose, Itália, falou na passada semana a 400 padres portugueses, em Fátima. É um leigo e fundou há 40 anos um mosteiro em que homens e mulheres retomam a tradição monástica cristã, mas com expressão moderna, como refere António Marujo, no PÚBLICO de domingo.
Em entrevista que concedeu a este jornalista, especialista em temas religiosos, Enzo Bianchi diz que “os cristãos devem mostrar que são diferentes”, porque só assim “poderão contrariar a indiferença que existe em relação à religião”.
Dessa entrevista, transcrevo, para reflexão, algumas respostas suas a questões que lhe foram postas por António Marujo. Sem comentários. A clareza das suas propostas não precisa de mais.
F.M.
::
“Falava da centralidade da caridade, mas a Igreja faz já tanta coisa a nível social…
Não se trata do social. É ao nível mais pessoal e antropológico: é a questão da misericórdia, de dar evidência ao amor e à comunicação, ao acolhimento do diferente, de instaurar a pluralidade da comunidade cristã e de não viver a fé de forma monolítica e intolerante.
Falou para mais de 400 padres. Os padres quase não têm tempo para as pessoas, para o acolhimento…
Esse é um verdadeiro problema. Os padres têm a tentação de ser gestores, burocratas, às vezes tecnocratas da caridade. Mas é decisivo viver acolhendo, escutando, nas relações quotidianas.
E a caridade, para um padre, passa por aí?
Pelo acolhimento do diferente, do pobre, do sofredor, do estrangeiro, no quotidiano. Não pela organização da caridade, mas como escuta de quem está distante.
Fala de uma religião de intermitência de muitos cristãos. A mensagem da hierarquia não passa?
[Passaria] mais se fosse uma mensagem que colocasse no centro Jesus Cristo e a sua humanidade. São caminhos de humanização que interessam o homem e encontram a sua imagem em Jesus Cristo.
Não são os dogmas e regras…
Não são as regras, os ritos nem os dogmas que dizem o cristianismo. O cristianismo ou se conjuga em termos de humanização ou se torna irrelevante.
Hoje há uma grande indiferença perante o cristianismo…
A indiferença vive e prospera quando não se põe em evidência a diferença. Os cristãos [devem saber] mostrar uma verdadeira diferença a respeito da sociedade e do homem. Se não emerge a diferença cristã, a indiferença torna-se a grande dominante da nossa sociedade.
O cristão tem de ser diferente?
Em tudo: no comportamento, na comunicação, na comunhão, no modo de viver, um cristianismo que plasme todo o homem.
Também na política? Houve políticos católicos que, sobre a guerra do Iraque, diziam que aceitavam o Papa, mas que esse era outro assunto…
Não é possível. Há uma inspiração cristã que deve ser salvaguardada. As técnicas e as políticas pertencem ao homem e não ao pormenor do evangelho. Mas a inspiração, sim. E, na paz, joga-se o testemunho cristão no futuro.
Como se vive essa diferença em sociedades laicas?
É mais fácil fazer emergir a gratuidade do evangelho, a liberdade do cristão. É necessária muita coerência, mas a mensagem cristã é mais escutada numa sociedade laica em que o evangelho é proposto, do que numa civilização de cristandade em que o evangelho seria imposto. É difícil, mas é mais fecundo e dá mais frutos.”