O nosso tempo pode ser muito cómico, até no meio das dificuldades. Portugal está em crise e boa parte dela vem do Estado. Há problemas gravíssimos na saúde, educação, justiça, finanças. As causas são variadas, mas uma razão é paradoxal: o sector público não faz o que é da sua conta porque anda a fazer o que é da nossa.
Pagamos uma fortuna todos os anos ao Sistema Nacional de Saúde para tratar as doenças, dar consultas, cuidar enfermos; ele não faz isso bem, mas ocupa-se a proibir o fumo. Nós dedicamos muito dinheiro às forças de segurança para prenderem os ladrões e protegerem os cidadãos; em vez disso andam a discutir umas décimas no grau de alcoolemia. Nós esbanjamos milhões no Ministério da Educação para ensinar os miúdos a ler, escrever e contar; em vez disso, dedica-se a congeminar educação sexual. O Ministério das Finanças arruína o País com os seus gastos, mas anda muito preocupado com o sobreendividamento das famílias.
Há umas décadas, quem tratava destes assuntos - tabaco, vinho, sexo, poupanças - eram as tias velhas e beatas. Sendo assuntos do foro pessoal, só algumas bisbilhoteiras se atreviam a comentá-los. Nessa altura, sem pachorra para aturar os ralhetes gongóricos, repudiaram-se as abelhudas moralistas. Passou a viver-se de forma desinibida e emancipada, participando numa sociedade livre e tolerante, que respeitava o indivíduo. Esta foi a grande vitória cultural de meados do século passado.
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