sexta-feira, 24 de março de 2006

Um artigo de D. António Marcelino

FILHOS
DE FAMÍLIA
E FILHOS
SEM FAMÍLIA ::
É preciso promover a esperança. Muitos o dizem e o procuram. Mas que esperança? Se for a virtude teologal, esta tem como fundamento e horizonte a omnipotência e a misericórdia de Deus e, por isso, é apostar nela, em relação a todas as coisas e situações, quando se tem a graça da fé. Se é de uma esperança meramente humana que falamos, sem cair em pessimismos, teremos de cuidar-nos da ingenuidade própria e da falta de realismo, para não cairmos em fantasias e com estas arrastarmos outros. Ao ler os jornais fico pensativo e perplexo: um professor atacado em plena rua, a horas do almoço, por jovens que o maltrataram, roubaram e fugiram. Quem viu não quer testemunhar não lhe vá acontecer o mesmo; uma professora espancada no seu lugar de trabalho por um jovem estranho à escola; técnicos da Comissão de Protecção de Menores, agredidos por adolescentes em pleno bairro camarário, afirmam que não voltam ao local sem escolta da polícia; professor ameaçado de morte, na aula, por aluno de onze anos… E a ladainha pode continuar, que acontecimentos não faltam A escola queixa-se da família, a família da escola, uns e outros da sociedade. Pelo meio, há crimes de adolescentes em julgamento, docentes a queixarem-se por não conseguirem impor disciplina nas aulas e a falar dos riscos que correm se tentarem, por meios eficazes, meter os alunos na ordem e a sentirem desvirtuadas as relações essenciais para agir profissionalmente. O Ministério, diz-se, passa ao lado dos problemas reais e anda por outros caminhos mais aliciantes. Mas, se quer ser o dono das escolas e dos alunos, como parece querer, então que assuma os problemas e as situações reais e crie condições, se for capaz, para lhes dar remédio. É bom disponibilizar novas tecnologias a professores e alunos para novos projectos de ensino. Talvez seja urgente neste momento ir mais devagar no importante, para poder reflectir e encontrar caminhos válidos para o essencial, que é educar pessoas, o que parece cada vez mais difícil. É verdade que a degradação não acontece em todo o lado. Mal seria. Há escolas sem problemas especiais, professores a realizar serenamente a sua tarefa, pais a não abdicar da sua missão, embora alguns deles atravessados pela dor, por desvarios dos filhos. Porém, o alarde que se faz dos casos negativos, não pode deixar de influenciar tanto os espíritos fracos como os aventureiros, de modo a fazer crescer em espiral incontrolável, o que de preocupante acontece aqui e ali, embora o problema não seja só este. As situações que surgem com filhos de famílias equilibradas, fruto, por vezes, de algumas omissões e incapacidade de reacção, como com filhos sem família, que vivem à margem da que têm, na rua ou em instituições. Estas neste momento alvejadas, com algumas razões e muitos preconceitos, como fossem todas e sempre, apenas e só, escolas de violência, de abusos e de crimes. Agora há gente, que o não faria antes, a clamar para que a família dê atenção e cuidados aos filhos e à sua educação. Mas é preciso não esquecer que há neste país leis que destroem a família e a sua capacidade educadora, direitos que lhe são negados em relação à legítima escolha da escola e do projecto educativo para os seus filhos, uma lamentável penalização fiscal das famílias que o são e o querem ser de verdade, silêncio inconcebível do Estado em relação a clamores legítimos de muitos pais, vestes a rasgarem-se escandalizadas com falhas normais de instituições sérias, esquecendo suas benemerências, múltiplas e inegáveis, ao longo de muitos anos de uma dedicação que pede meças a teóricos da educação e a técnicos e burocratas de serviços oficiais. A sociedade, aqui e na Europa dos novos modelos de vida, está gravemente doente e não assume a sua doença. Não há educação sem valores, normas e autoridade, acção em rede a jogar no mesmo sentido. A crise não está nos jovens. Há que assumi-lo.

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