quinta-feira, 9 de março de 2006

Um artigo de D. António Marcelino

COMPAIXÃO,
GRANDEZA
DE UM SENTIMENTO
FRATERNO Aqui há uns anos, quando disse, perante uma situação, então ainda dolorosa e difícil de compreender e de aceitar, que o sentimento mais respeitador e estimulante era a compaixão, rasgaram-se as vestes pelo escândalo de uma tal opinião. Tratava-se de um programa de televisão, preparado com grande publicidade, na qual não faltava pimenta suficiente para estimular, convidar a ver e a não perder. A compaixão não é nem dó nem pena, mas sintonia interior com a situação e os sentimentos do outro ou dos outros, que leva ao gesto fraterno de fazer o que é possível para ajudar, a fim de que a pessoa não se sinta só e perceba que há sempre um ombro amigo que se pode encostar ao seu, dividir o peso da sua cruz e convidar a prosseguir. O Deus de Israel teve compaixão do povo, escravizado no Egipto. Jesus Cristo mostrou a sua compaixão para com a multidão que, no deserto, estava esvaída de cansaço e de fome, sem meios para responder à sua necessidade. Este sentimento divino encontrou resposta para um e outro caso. A mensagem quaresmal do Papa fala deste sentimento de compaixão, porque, no mundo de hoje, há multidões famintas de pão, de saúde, de alegria, de paz, de amor, de respeito, de justiça, de apreço. Onde não houver atenção a esta realidade e consideração pelo que ela tem de doloroso, nada muda, a não ser para pior, no sentimento e na dor de quem se sente marginalizado, desatendido, não amado nem respeitado. Um irmão sente a dor do irmão e partilha-a, é cireneu de quem se verga ao peso da cruz e, como o samaritano da parábola, muda projectos pessoais para ser alívio consolador e eficaz. Um irmão não passa ao lado de quem sofre, nem é indiferente aos esforços de quem vai avançando na vida com confiança e esforço Um irmão não julga nem condena, antes compreende e ama. É esta a grandeza e a beleza da compaixão fraterna, da solidariedade aberta para com aquele, de perto ou de longe, que precisa de estima e de apoio. A pobreza da nossa sociedade está no egoísmo que torna estéril o espaço das relações pessoais, mata os sentimentos nobres, capazes de compaixão e de partilha, e estabelece, a partir de critérios pouco honestos e falíveis, que não reconhecem dignidade, nem direitos e deveres, a todos por igual. O calor da fraternidade, afectiva e efectiva, humaniza a sociedade. A frieza egoística que só tem lugar para os interesses pessoais, satisfeitos a qualquer preço, é um vendaval selvagem que destrói a justiça, mina a verdade, levanta muros de divisão e discórdia, torna impossível os sentimentos gratuitos. O amor compassivo traduz a procura serena do bem do outro, mormente quando ele já o não consegue por si ou encontra fechadas todas as portas de acesso para o poder alcançar e desfrutar. Para um crente, o projecto de Deus, revelado em Jesus Cristo, é um desafio que o leva a pôr os pés na terra de todos os que sofrem e a cultivar um coração fraterno. Ao crente, verdadeiro e sincero, amarga o pão da abundância, quando cruza os seus olhos com os olhos incómodos e o rosto desfigurado do faminto. A compaixão, expressão de amor e de caridade efectiva, não dispensa nem ilude a justiça. Porém, a vida do dia a dia vai-nos mostrando como é difícil a justiça para um coração que não sente a dor do próximo e é incapaz de compaixão e de sintonia com quem quer que seja, tanto nos momentos de sofrimento, como das pequenas alegrias. A Quaresma, bem compreendida e vivida, molda o coração ao bem, um coração de carne não de pedra. No respeito sem condições e na partilha generosa, permite e alimenta relações fraternas, as únicas que humanizam o mundo das pessoas e dão gosto à nossa vida em sociedade.

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