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“Explique-me lá, porque eu não consigo entender. Criei sete filhos na minha casa. A casa é a mesma. Agora, o meu filho que lá vive tem apenas um filho. Trouxe-me aqui para o Lar dizendo-me que não tinha lugar para mim lá em casa…Como é que isto pode ser?” Os olhos eram ainda vivos, mas muito doridos pela dúvida para a qual procurava explicação e a procurou também em mim, assim à queima roupa. Era um idoso inconformado. Como eu o entendi!... Vivera com sua esposa uma luta contínua e morosa, por amor. Não foi fácil, por certo, criar sete filhos. Mas o amor venceu dificuldades e o sonho de os criar e educar e de os preparar para a vida era uma força interior que derrubou muros. Essa força que se cola ao coração dos pais e não os deixa adormecer, nem desistir. No momento de receber a recompensa por parte dos beneficiados de sempre, apenas sentiu o eco dos incómodos que provocava a sua idade com as normais limitações. A dívida do amor nunca prescreve. É preciso proclamá-lo. Por todo o lado, materialmente, os idosos estão hoje como nunca. Assim o verifico, agora numa zona que visitei, casa por casa, há menos de dez anos e onde estou de novo fazendo o mesmo peregrinar. As casas estão mais limpas e aconchegadas, muitas instituições a acolher e a fazer apoio domiciliário, centro de dia e de convívio por todo lado, passeios, a torto e a direito, por esse Portugal fora, grupos de voluntários que visitam com tempo para ouvir, festas umas atrás das outras. Porém, nada disto substitui a família que sabe amar e agradecer, porque tem nos seus idosos a sua riqueza e a referência que nunca esquece: “Filho és, pai serás, o que fizeres, encontrarás.” Vi a senhora há meses. Anda pelos noventa e tantos anos. Então, no horizonte, já não havia vida normal, nem esperança dela. Mudou de situação e a atenção, o carinho, a comunicação constante passaram a envolvê-la as vinte quatro horas do dia. Agora já fala, canta, responde, faz perguntas. Mostra uma serenidade que não parecia possível. Fiquei a contemplá-la e conclui que o amor constante é o grande milagre e sempre o melhor remédio para dar e conservar a vida dos idosos, que não têm outra doença além dos muitos anos. Abundam os casos a dizer que é assim. Quando os filhos e os familiares não andam por este caminho, e isso acontece tantas vezes, então quer dizer que só desejam que a morte venha quanto antes, para que termine o pesadelo de uma ingratidão, sempre difícil de digerir? Está aqui a qualidade de vida dos mais idosos: envelhecerem em lugar que seja familiar e a sentirem-se amados, acarinhados, ouvidos por todos, mas muito especialmente por aqueles nos quais corre nas veias o mesmo sangue. Um idoso de muitos anos já dispensa muita coisa, não o amor, nem o carinho, nem o calor de uma visita gratuita ou de uma presença viva. Os lares são uma necessidade para alguns casos, nunca razão para que a família se demita da dívida que tem e terá até ao fim. Chega da mentira de montanhas de flores e de vistosas lágrimas no funeral, quando, em vida, não houve uma hora por semana para visitar, acarinhar, sorrir, ouvir e dizer, nem que seja sempre a mesma coisa.A sociedade pensa mais nos idosos e faz por eles o que há anos nem se sonhava. Ainda bem. Muitas famílias, porém, tendem a desresponsabilizar-se cada vez mais. Uma maldição de resultados dolorosos. É sempre tempo para acordar e inverter o processo. Não se faz por decreto, faz-se por consciência assumida de uma dívida nunca saldada e pela experiência vivida por todos, ao longo dos anos, que ninguém, seja novo ou velho, pode viver sem amor.