quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

ECUMENISMO: UM ARTIGO DE FREI BENTO DOMINGUES, NO PÚBLICO

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CAMINHANDO 1. Hans Küng, o grande teólogo de Tubinga, resumiu numa fórmula lapidar o percurso de uma vida de investigação e de encontros dedicada a lançar pontes em todas as direcções: “Não haverá paz entre as nações, se não existir paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões, se não existir diálogo entre as religiões. Não haverá diálogo entre as religiões, se não existirem padrões éticos globais. O nosso planeta não irá sobreviver, se não houver éthos global, uma ética para o mundo inteiro” (1). Se muito caminho já foi percorrido no diálogo ecuménico, muito mais falta ainda por andar até chegarmos a um ecumenismo universal, como lhe chamou Fernando dos Santos Neves, reitor da Universidade Lusófona (2). A palavra “ecumenismo” começou por designar o esforço desenvolvido pelas diferentes confissões cristãs a fim de obter a reunião da cristandade dividida. As origens do movimento ecuménico situam-se nos inícios do século XIX, em 1805, com o pedido do missionário baptista William Carey de se criar uma “associação geral de todas as denominações cristãs existentes nas quatro partes do mundo”. Este pedido e proposta nasciam da base, nos ambientes missionários protestantes, envolvidos sobretudo na África e na Ásia, onde era mais visível o contratestemunho dos cristãos que pretendiam pregar o mesmo Jesus Cristo, mas uns contra os outros. A Assembleia de Edimburgo de 1910 marca o início oficial do movimento ecuménico. As jovens Igrejas cristãs da África e da Ásia tomaram uma posição muito clara: “Fostes vós que nos enviastes os missionários que nos fizeram conhecer Jesus Cristo. Não podemos fazer outra coisa senão agradecer-vos. Mas trouxeste-nos também as vossas diferenças e divisões. (…) Continuai a pregar o Evangelho, mas deixai a Cristo Senhor o encargo de suscitar, Ele próprio, no meio dos nossos povos, sob a solicitação do seu Santo Espírito, a Igreja conforme à sua exigência, que será a Igreja de Cristo (…) libertada finalmente de todos os “ismos” com que classificastes a pregação do Evangelho no meio de nós.” Apesar de todos os esforços, só em 1948 foi possível realizar, em Amesterdão, a primeira Assembleia Geral do Conselho Ecuménico das Igrejas (CEI), do qual a Igreja Católica romana não fazia parte. A viragem ecuménica decisiva desta realizou-se no Concílio Vaticano II (1962-1965). São datas decisivas, mas não suficientes para conseguir a unidade das Igrejas cristãs. A unidade, como mostra o grande teólogo dominicano Yves Congar, só poderá ser realizada na diversidade. Em 1983, Heinrich Fries e o jesuíta Karl Rahner lançaram um corajoso e discutido projecto: União das Igrejas – possibilidade real. Na opinião dos seus autores, o ecumenismo tornou-se uma questão de vida ou de morte para a cristandade. O que está em jogo é a própria identidade cristã: hoje em dia, são questionadas e desafiadas não as diversas confissões individualmente tomadas, mas o ser cristão, a fé em Deus, o sentido da vida e da morte. O projecto é anunciado e argumentado em oito teses que não vamos discutir aqui. Já não estamos com uma urgência derivada do mau testemunho dado na Ásia e na África, como diziam as Igrejas jovens no século XIX. Agora, o escândalo é outro: há discussões intermináveis para realizar acordos parciais, esquecendo a própria missão da Igreja no mundo contemporâneo. Parecem aquelas famílias que, por causa da repartição das heranças, acabam por se afastar. Todas as Igrejas deviam saber que são provisórias e já têm elementos comuns suficientes para poderem testemunhar do essencial, deixando a cada uma o direito à sua diferença. 2. Pouco a pouco, desenvolveu-se a consciência de que ser cristão só pode significar ser ecuménico e não, apenas, no âmbito das Igrejas cristãs. Mas estas, para serem ecuménicas, têm de despertar para uma consciência global. Se as Igrejas cristãs se devem escutar umas às outras, devem também aprender umas com as outras a descobrir e a escutar o mundo das religiões não cristãs. Por seu lado, as Igrejas e as religiões devem aprender a escutar o mundo dos agnósticos e ateus, o mundo dos sem-religião. Nada disto é linear. Dentro de cada Igreja e de cada religião há várias tendências e vários grupos, há conflitos mais ou menos profundos, por vezes, hostilidades, por razões de sensibilidade, de doutrina e de comportamentos ético-social. Dir-se-á que não se pode andar a dialogar com as outras Igrejas e religiões e não ter vontade nem paciência para as divergências no interior do próprio grupo confessional. Importa não esquecer que as únicas fronteiras não são as das instituições religiosas. Muitas vezes, sentimo-nos mais perto de pessoas e grupos de outras religiões, ou sem religião, do que de grupos e pessoas da confissão religiosa a que pertencemos. Muitas e variadas são as tarefas e os caminhos do ecumenismo. Não podem ser confiados, apenas, às burocracias das instituições nem à espera das conclusões doutrinais dos especialistas. Os caminhos do ecumenismo são os da conversão da inteligência e do coração, ajudados pela oração comum e pelo trabalho em função dos mais carenciados, a nível local e mundial. O que mais dificulta o diálogo – seja com outras Igrejas cristãs, com outras religiões ou com os sem-religião – é a ideia de que já tudo é claro no interior da própria confissão religiosa e de que só por cortesia vale a pena escutar as outras religiões ou os sem-religião. Por exemplo, quem, no campo cristão, supõe que sabe quem é Deus, o que é a criação, a incarnação, a redenção, a vida depois da morte. Se não entrarmos por uma linha simbólica que ajude a viajar sempre para novas paragens, ficaremos bloqueados para caminhar com os outros porque estamos parados dentro de nós. (1) Hans Küng, Religiões do Mundo. Em busca dos pontos comuns, Lisboa, Multinova, 2005. (2) Fernando dos Santos Neves, Do Ecumenismo Cristão ao Ecumenismo Universal, Lisboa, Edições Universitárias Lusófonas, 2005. NB: Artigo publicado no “PÚBLICO” do passado domingo.

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