Faz agora 30 anos, Portugal, de norte a sul, estava em pé de guerra. A ditadura tinha sido abolida há já alguns meses, mas ainda não era claro aonde tudo aquilo iria acabar. Na altura, discutia-se muito, e talvez ainda hoje se possa discutir, qual seria exactamente o destino reservado a Lisboa pela estratégia da União Soviética ou, em termos domésticos, até onde o Partido Comunista estaria disposto a ir, ou a aguentar, na via da revolução.
Quem aqui viveu esses meses sabe, no entanto, que, se havia realmente uma fractura entre adeptos da democracia representativa e adeptos da chamada "democracia real", havia também o receio crescente de que, sobretudo nos quartéis, a situação ficasse incontrolável. Os relatos desse tempo, que a imprensa tem vindo ultimamente a desenterrar, são bastante elucidativos.
Há nesses relatos dois aspectos que, recordados à distância, ainda hoje impressionam e são, porventura, difíceis de explicar. O primeiro é a forma como, em pouco tempo, da falta de escrúpulos e de legitimidade do antigo regime nasceu uma falta de escrúpulos e uma disposição para a violência e a arbitrariedade, que só por acaso não deu em guerra civil. O segundo é a cobertura que uma tal sequência de desmandos e arbítrios, assim que passaram a apelidar-se de revolucionários, encontrou entre pessoas normalmente de bom senso e que toda a vida se tinham batido contra atitudes semelhantes por parte do Estado Novo. Que toda a gente desatasse a discutir e que não fosse muito claro o modelo de sociedade a que havia de chegar-se, era de esperar, ou até mesmo desejável. Mas que instituições como a justiça ou a liberdade de imprensa, cujo funcionamento até ao 25 de Abril fora um cavalo-de-batalha da resistência, desaparecessem de um dia para o outro, submergidas numa lenga-lenga de pretextos progressistas, ainda hoje custa a acreditar.
(Para ler todo o artigo, clique aqui)