É possível que poucas coisas existam com maior carga simbólica que o pão. Mais do que mero alimento - ainda que de todos os alimentos o mais básico - o pão significa “o alimento” por excelência. As razões dessa carga são históricas antes de serem algo mais. O pão foi o primeiro alimento transformado pelo ser humano e por ele consumido em larga escala, surgido na História Humana nos alvores do Neolítico.
Politicamente, o pão começa cedo a carregar uma carga simbólica. Na Antiguidade Clássica, o poeta latino Juvenal dizia que Roma era governada à custa do pão e do circo (alimentação e diversão gratuitas), assim se inibindo as revoltas populares. Na Idade Média europeia o pão é a base da alimentação juntamente com o vinho. Logo aí se identifica com “o alimento”. Mas também socialmente o pão tem, desde cedo, significado diverso. O pão do povo era meado (com dois cereais), terçado (com três cereais), quartado (com quatro cereais). Trigo, milho miúdo, centeio, cevada, bolota, bagaço de azeitona eram alguns dos ingredientes desse pão popular. Mas os grupos sociais privilegiados e dominantes comiam um pão feito essencialmente de trigo; era o pão branco, o pão alvo que os famintos desprotegidos ambicionavam.
O fim do Antigo Regime é simbolicamente marcado também pelo pão. A Revolução Francesa ocorre numa época de crónicas más colheitas (logo, escasso pão) a que o caduco sistema absolutista não consegue colocar cobro. A frase que Maria Antonieta dirige às esfomeadas massas populares parisienses (“Não têm pão? Então comam brioche.”), mais do que enfatizar a inconsciente tontice da rainha, marca o dobrar de finados de um mundo velho (o do clero e da nobreza) e o nascimento de um mundo novo (o da burguesia e do povo). Não será por acaso que a generalização do pão alvo de trigo ocorre após o triunfo das Revoluções Liberais.
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