Respondendo, em Paris, a uma pergunta sobre a lei do aborto em Portugal, o Presidente da República fez votos para que haja entre nós um debate sossegado e esclarecido sobre o assunto. E, a título pessoal, manifestou-se favorável a uma evolução legislativa nessa matéria, acentuando a sua preocupação com os direitos das mulheres - que considerou a questão mais profunda. "Sou solidário com as mulheres que sofrem", disse.
O Presidente não referiu outros direitos. Por exemplo, os do nascituro. Dir-se-á que este não é pessoa jurídica, logo não tem direitos. Há mesmo quem só veja no feto um monte de células. Mas será assim? Tudo decorre desse ponto essencial quando começa a vida humana? Apenas depois de se nascer? E se podemos falar de pessoa antes do nascimento, a partir de quando exactamente? Qualquer momento posterior à concepção surge como arbitrário. As mulheres, como os homens, têm direito ao seu corpo. Mas a ideia de que o ser na barriga da mãe não é mais do que uma parte do corpo desta é cada vez mais difícil de sustentar. A tecnologia permite hoje detectar num feto de poucas semanas toda uma série de características de uma pessoa. Muitos pais se encantam com as ecografias do pequeno ser. Não possui decerto autonomia. Mas que autonomia tem um bebé dias após o seu nascimento?
Tentando contribuir para o debate sossegado e esclarecido que o Presidente deseja - e bem -, eu diria que a questão fulcral, aqui, são os direitos morais dos mais fracos e indefesos, os que ainda não nasceram, mas existem. Esses não têm voz, por isso deveriam merecer da sociedade uma atenção prioritária. Não está em dúvida apoiar as mulheres em momentos difíceis da sua vida, um imperativo defendido pelo Presidente da República. Mas há outros seres em causa, que não podem ser ignorados.