É sabido que a Barca não sossobra. O Mestre estará até ao fim dos tempos. Vai emprestando o leme, de quando em vez adormece, de cansaço, e até parece não notar as tempestades. É preciso que os discípulos lhe gritem que a barca está a afundar-se. “Porque temeis, homens de pouca fé?”Entregou as chaves a Pedro que as foi passando a outro, depois a outro. A Igreja, até Wojtila, foi recebendo e outorgando essas chaves. Naquele primeiro dia, na varanda de Pedro, Karol estava mais nervoso do que parecia. Honrosas e pesadas são estas chaves. Para cúmulo, não aplicáveis a todas as portas. As pequenas comunidades – as Igrejas locais – receberão por sua vez chaves de segredo, adaptadas às singularidades de cada história, continente e cultura. Até porque Ele disse: “Eu sou a porta”.Mesmo na expectação de um novo sucessor de Pedro, vivemos pela emoção, o rasto de luz de Karol Woytila, Papa. As ressonâncias vindas de todos os quadrantes acentuam o sulco que este homem abriu em tantos caminhos onde muitos homens e mulheres se sentiam perdidos, sem pão nem importância, dignidade ou direitos. Ou mesmo inseguros na fé e abalados na esperança. Ele reacendeu a chama de Deus em muitos corações sombreados pela neutralidade, indiferença ou sobrelotação de efemérides e insignificâncias. Na Europa, juntou valores adormecidos do Oriente e do Ocidente. Falou duro e forte a alguns. Com uma convicção próxima da teimosia. Mas com um afecto incontido diante de raças, culturas e crenças e situações. De pessoas. Nada proclamou em abstracto. Inundado pelos media foi repercutido até aos confins da terra nas suas palavras e gestos, mas sobretudo na sua humanidade incontida e a sua fé inabalável.Todos estão desconcertados, sem saber o que merece primeira homenagem: o homem ou o crente. Foi um Homem fascinante e um Crente inquebrantável. Por qualquer ponto se começa bem.
António Rego
Fonte: ECCLESIA