Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias
A interpretação da Eucaristia como sacrifício teve várias consequências perniciosas. A maior foi a da ordenação sacra sacerdotal. Mas o Novo Testamento evitou a palavra hiereus - o sacerdote sacrificador de vítimas para oferecer à divindade e aplacá-la e pedir os seus favores. Jesus, que era leigo, foi vítima dos sacerdotes do Templo e, citando os profetas, colocou estas palavras na boca de Deus: "Ide aprender: eu quero justiça e misericórdia e não sacrifícios; os vossos sacrifícios aborrecem-me." Evidentemente, com a ordenação sacra, a mulher, ritualmente impura ficou excluída de presidir à Eucaristia.
O Novo Testamento diz que, pelo baptismo, todos formam um povo de sacerdotes, profetas e reis. Mas, com a ordenação sacerdotal, surgiu a distinção, essencial e não de grau, entre o "sacerdócio comum" dos fiéis e o "sacerdócio ordenado" e, com ela, o estabelecimento de duas classes na Igreja: o clero e os leigos. E entrou "a lepra do clericalismo", na expressão do Papa Francisco: de facto, a "hierarquia" (poder sacro) fica com todos os poderes - julgo que não se pensa suficientemente no que significou ser padre ou bispo, com o poder de "trazer Cristo à Terra, com a consagração", perdoar os pecados, decidindo da salvação eterna ou da condenação das pessoas... -, usando e abusando do poder..., até à tragédia da pedofilia, privilégios de toda a ordem...