terça-feira, 17 de setembro de 2024

Obra da Providência "nasceu" há 71 anos



Proscrita

Dezasseis anos, quase, — inda os não tem.
Espera por bebé, é o seu problema.
Ao dar-se conta, fica embaraçada
E, cheia de coragem, diz à mãe.

A mãe segreda ao pai; mas, qual segredo!
Nervoso, despeitado no seu brio,
Reage com violência: insulta a filha,
Dá-lhe encontrões e vai-lhe mesmo à cara.

Indesejada em casa, a moça foge, —
Como a lebre dos montes, perseguida.
Sem nada: apenas o que tem vestido.

No colégio das freiras, não a acolhem.
O namorado fora para a tropa.
Riem-se dela, e mofam, as amigas.

Reinaldo Matos


“Sinfonia de poemas de Reinaldo Matos — 25 anos de poesia — 1959-1984”,
Antologia organizada por Amílcar Amaral, Braga — 1984


Nota de rodapé, na página deste poema: «O poeta condena certos pais que desprezam e rejeitam a filha que caiu na tentação… e ficou grávida. Quanto mais cristão será perdoar… acolher… ajudar…»

José Reinaldo de Sousa Matos, nascido em 21-III-1925, ordenado em 29-VI-1950 e falecido, nos EUA, em 11-X-1993

NOTA: Ontem participei num encontro comemorativa da criação da Obra da Obra da Providência há 71 anos. Na altura da fundação, tinha por objetivos apoiar raparigas e mulheres retratadas neste poema. A sociedade entretanto mudou, mas a Obra adaptou-se aos novos tempos nascidos com o 25 de Abril e voltou-se para as crianças.
Participaram na cerimónia, para além dos dirigentes atuais e alguns antigos, bem como a Câmara Municipal de Ílhavo e da Junta de Freguesia da Gafanha da Nazaré, representadas por João Campolargo e Carlos António, respetivamente.

INCÊNDIOS: Nota do Bispo de Aveiro


 

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Vitorino Nemésio: Retrato

RETRATO

Cruel como os Assírios
Lânguido como os Persas,
Entre estrelas e círios
Cristão só nas conversas.

Árabe no sossego,
Africano no ardor;
No corpo, Grego, Grego!
Homem, seja como for.

Romano na ambição
Oriental no ardil,
Latino na paixão,
Europeu por subtil:

Homem sou, Homem só
(Pascal: “nem anjo nem bruto”):
Cristãmente, do pó
Me levante impoluto.


Vitorino Nemésio

Nota: Do livro "Mário Soares - os poemas da minha vida"

domingo, 15 de setembro de 2024

O Homem: questão para si mesmo

Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Noticias

A tensão de um corpo-pessoa


Raramente alguém disse de modo tão realista o ser humano na sua tensão como Vergílio Ferreira neste texto magnífico: “Um corpo e o que em obra superior ele produz. Como é fascinante pensá-lo. Um novelo de tripas, de sebo, de matéria viscosa e repelente, um incansável produtor de lixo. Uma podridão insofrida, impaciente de se manifestar, de rebentar o que a trava, sustida a custo a toda a hora para a decência do convívio, um equilíbrio difícil em dois pés precários, uma latrina ambulante, um saco de esterco. E simultaneamente, na visibilidade disso, a harmonia de uma face, a sua possível beleza e sobretudo o prodígio de uma palavra, uma ideia, um gesto, uma obra de arte. Construir o máximo da sublimidade sobre o mais baixo e vil e asqueroso. Um homem. Dá vontade de chorar. De alegria, de ternura, de compaixão. Dá vontade de enlouquecer.”
O Homem vive-se a si mesmo numa tensão insuperável.
Por um lado, o corpo é o seu peso, a sua limitação - parece que, se fôssemos espírito puro, poderíamos, por exemplo, estar em todo o lado. Com o tempo, o corpo decai, envelhece e, aparentemente, envilece-nos. Adoecemos e desmoronamo-nos. Depois, com a morte, o que resta do corpo é lixo biológico e coisa que apodrece. Referindo-se ao nascimento, Santo Agostinho, nada exaltado, tem estas palavras cruas: “Inter faeces et urinam nascimur”, nascemos entre fezes e urina.

sábado, 14 de setembro de 2024

Ponta de Sagres


Há anos que ainda não consegui descobrir, nós estivemos lá, eu e a Lita, num Verão quente e ventoso, na Ponta de Sagres, onde vivemos uma sensação especial. Dali terão partido navegadores portugueses à descoberta do mundo, contactando povos das mais diversas raças e culturas. 

As nossas praias - Costa Nova


 No sótão encontrei um Guia de Praias (prio) com as indicações fundamentais para os veraneantes. É claro que ainda hoje não faltam informações semelhantes, mais atualizadas. E continuo a gostar do que vou lendo o  me vem à mão. Pela janela vejo que está um lindo dia.

Voltei ao sótão



Voltei ao sótão depois de uma limpeza geral com sacos e mais sacos de papelada e livralhada sem qualquer interesse. É certo que ainda falta muita coisa sem préstimo para tirar daqui, mas com tempo tudo se resolverá.
No sótão há uma paz tranquilizante e a comodidade necessária. Pela única janela vejo um mundo de silêncio emoldurado pela mata da Gafanha, ao longe.E a música, baixinho, completa o quadro acolhedor.

FM