Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias
O Homem vive-se a si mesmo numa tensão insuperável. Por um lado, o corpo é o seu peso, a sua limitação - parece que, se fôssemos espírito puro, poderíamos, por exemplo, estar em todo o lado. Com o tempo, o corpo decai, envelhece e, aparentemente, envilece-nos. Referindo-se ao nascimento, Santo Agostinho, nada exaltado, tem estas palavras cruas: "inter faeces et urinam nascimur", que não traduzo, por ser desnecessário. Adoecemos e desmoronamo-nos. Depois, com a morte, o que resta do corpo é lixo biológico e coisa que apodrece.
Por outro lado, será sempre misterioso um corpo que fala: produz sons que encarnam e transmitem sentido. Um olhar é sempre a visita do infinito. Um corpo humano canta, ora, sorri, produz obras de arte, que param o tempo e visibilizam a transcendência.