terça-feira, 22 de setembro de 2020

Outono chegou de castanho

"Floresta" de Gustav Klint, pintor simbolista austríaco, (1862-1918) 
 

OUTONO chegou vestido de castanho e a tiritar de frio com  chuviscos a prenunciarem o que nos espera. Que seja bem-vindo neste meu entardecer da vida ainda carregada de sonhos. De olhos bem abertos e ouvidos à escuta, hei de ter ocasião para deste tempo outonal contar histórias e segredar desabafos misturados pela beleza das artes.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

RETALHOS: Raul Brandão

Pequenas notas 

Pôr do sol (Foto de Ângelo Ribau)

PORES DO SOL 

"Se eu fosse pintor passava a minha vida a pintar o pôr do sol à beira-mar. Fazia cem telas, todas variadas, com tintas novas e imprevistas. É um espetáculo extraordinário.
Há-os em farfalhos, com largas pinceladas verdes. Há-os trágicos, quando as nuvens tomam todo o horizonte com um ar de ameaça, e outros doirados e verdes, com o crescente fino da Lua no alto e do lado oposto a montanha enegrecida e compacta. Tardes violetas, neste ar tão carregado de salitre que torna a boca pegajosa e amarga, e o mar violeta e doirado a molhar a areia e os alicerces dos velhos fortes abandonados ...
Um poente desgrenhado, com nuvens negras lá no fundo, e uma luz sinistra. Ventania. Estratos monstruosos correm do norte. Sobre o mar fica um laivo esquecido que bóia nas águas – e não quer morrer... " 

Raul Brandão,
em " Os Pescadores" 

Página 47 da edição Grandes Clássicos da Literatura Universal

domingo, 20 de setembro de 2020

Senhora dos Navegantes

Pela Positiva há cinco anos

Procissão pela Ria 

Procissão pela Ria 
foi manifestação de fé muito expressiva

(...)
A festa, que é enriquecida por uma procissão pela laguna aveirense, estende-se desde a Cale da Vila até à capelinha do Forte, passa por terras de S. Jacinto e Senhora das Areias, que também dedicam merecida ternura à Mãe de Deus e nossa Mãe, permitiu-me a feliz oportunidade de reencontrar muitas pessoas que não via há anos e de falar com outras tantas com quem me cruzo frequentemente. Deu para perceber que a estes festejos da Senhora dos Navegantes não vão apenas os que têm fé, porque há quem simplesmente goste da apreciar o colorido e a alegria de quem participa com os seus barcos e barquinhos na procissão, ao jeito de quem se sente bem ao lado de Nossa Senhora nesta viagem anual.
A Eucaristia, presidida pelo nosso Bispo, D. António Moiteiro, logo depois da procissão, contou com a participação de muitos crentes e a seguir houve música pela Filarmónica Gafanhense e Festival de Folclore. Os foguetes ouviram-se longe e percebeu-se que o Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré se esmerou na organização, em parceria com a paróquia e diversas entidades públicas e privadas.

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A conversão do Papa Francisco

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

Papa Francisco 

1. Para muitos dos baptizados em criança, só fica o seu registo paroquial. Em certos casos, a própria fé de quem apresentava a criança à comunidade cristã não era uma realidade vivida, pensada e celebrada. Era, por vezes, um gesto de memória familiar dissolvido numa festa de interesses, sem confronto e compromisso actuantes com a mensagem e a prática de Jesus Cristo. É talvez uma das fontes da expressão ambígua dos chamados “católicos não praticantes”. Não praticantes de quê? De certas práticas rituais ou das exigências concretas do Evangelho que se inscrevem na vida pessoal, familiar, social, cultural e política?
Note-se que os que foram apresentados, em criança, ao Baptismo por famílias de fé vivida e pensada, celebraram a gratuidade do amor de Deus que não espera que ela seja adulta para a inscrever no seu coração, seja baptizada ou não.
A celebração não é, de modo nenhum, um gesto humanamente absurdo. Os pais também não esperam que os seus filhos cresçam para gostar deles, para os rodear de manifestações de afecto e de todos os cuidados. O rito cristão do baptismo das crianças, em comunidades crentes, não é um abuso nem um acto de magia. Não é um destino imposto, mas um itinerário cristão a ser assumindo, de modo pessoal e livre, ao longo de toda a vida, mediante conversões que marcam cada uma das suas etapas. Mas que também pode ser esquecido ou até renegado.

sábado, 19 de setembro de 2020

Jogo de Damas


Abel Manta, Jogo de Damas, 1927, óleo sobre tela, 106 x 116 cm
 

Já lá vai, há muito, o tempo em que eu gostava de jogar damas cá por casa. Jamais fora dela porque nunca passei de um principiante.

Tempo de férias


Hoje voltámos ao tempo chuvoso e desagradável. O Verão perde-se nos horizontes, deixando-nos à espera do próximo, se lá chegarmos. Realmente, por aqui vamos percebendo que somos uma região com um mês de Verão, nem sempre completo, com Inverno durante os restantes meses. E neste ambiente temos vivido uma vida longa, graças a Deus. Apesar de tudo, com otimismo a alimentar-nos o sentido de espera por outro Agosto, imaginado com sol brilhante e calor quanto baste. E com este viver eu sou dado a evocar cenas agradáveis do quotidiano, que nos remetem para tempos idos. Hoje veio até mim um encontro que me proporcionou rever um amigo de há décadas. Jurámos que havíamos de nos encontrar,  o que nunca mais aconteceu. E já lá vão três anos. 
... 

Olhou para mim e perguntou: 
— Não me conheces? 
— Não! — respondi. 
Olhei melhor e a sua expressão dizia-me qualquer coisa. Nem assim consegui reconhecê-lo. 
Foi então que ele me disse de quem era filho. E de imediato tudo se tornou claro. Era o João. 
Aí começou a animar-se a minha memória. Que me visitava frequentemente quando na juventude estive doente dos pulmões e acamado. Que gostava de conversar comigo e dos truques que eu fazia para entreter os amigos que vinham saber da minha saúde. Só não conseguiu perceber como é que eu fazia desaparecer a moeda que caía no copo de água. 
— Ainda hoje me lembro desse truque e nunca descobri como é que fazias aquilo. 
— São truques… — adiantei eu. 
Falou-me dos pais, dos filhos e da reforma que está a viver. 
Disse-me que muitas vezes se tem cruzado comigo sem nunca ter tido a coragem de me interpelar. 
Ralhei com ele e disse-lhe que nunca mais fizesse isso. Gosto que me falem ajudando-me a recordar o passado. Não faz sentido passar por alguém que conhecemos sem uma saudação, por mais simples que seja. 

Fernando Martins

CONVERSA COM HANS KÜNG. 2

Crónica de Anselmo Borges no Diário de Notícias


Continuo a conversa com Hans Küng em 1979, incidindo sobre a esperança para lá da morte. 

Para si, Jesus Cristo é o determinante na vida e na morte, o Filho de Deus. Pergunto-lhe: é Deus que nos salva ou é Cristo? 
É o próprio Deus que nos salva através de Cristo. Não podemos de modo nenhum ver Cristo sem Deus. De contrário, não teria sentido para nós. Como também não podemos, enquanto cristãos, ver Deus sem Cristo. Caso contrário, Deus torna-se vago para nós. 

Mas somos nós, os cristãos, que somos salvos através de Cristo ou são todos os homens? Isto é, mesmo aqueles que pertencem a outras religiões são salvos através de Cristo? 
É claro que os homens que pertencem a outras religiões se podem salvar. E é evidente que só se podem salvar através do único Deus, pois há um só Deus. Em terceiro lugar, só se podem salvar através do Deus que nos foi revelado em Cristo, que, portanto, é o Deus da misericórdia, o Deus da graça, que Cristo nos revelou. 

A ressurreição de Cristo é essencial no cristianismo... 
Se Cristo não tivesse ressuscitado, a nossa fé seria vã, diz o apóstolo Paulo. E esta é também a minha convicção. 
Mas é necessário não tomar à letra e como narrações históricas todas as representações que se referem à vida nova de Cristo. O importante e decisivo é concentrar-se no essencial da Boa Nova da Ressurreição. Ora, o que é o essencial da Boa Nova da Ressurreição? A Boa Nova da Páscoa significa isto: este Crucificado, que realmente morreu, não morreu para o nada, mas foi assumido na vida eterna de Deus. Ele vive com Deus seu Pai, através dEle e nEle. E isto significa para nós uma esperança.