terça-feira, 23 de junho de 2020

Romaria ao São João

Neste dia, há 13 anos, 
alinhavei as notas que republico,
pela sua oportunidade 
São João, painel cerâmico
Capela de São João na Praia da Barra

Fogueiras,  promessas, cravos, sardinha

Hoje vai ser noite de São João, um pouco por todo o lado. Cada terra com seus usos, uns persistentes e outros a caírem com o tempo, famosas são as festas em honra do precursor no Porto e em Braga, para lembrar apenas as mais famosas e cujos ecos chegam até aqui. Mas isso não quer dizer que nas Gafanhas e arredores não haja São João, que esse santo, afinal, porque é um dos três santos populares, não pode ficar esquecido.
Nos meus tempos de menino e moço, o que lá vai há muito, por esta hora era um corrupio de romeiros a caminha da Barra, onde ainda existe a capelinha em honra do santo que baptizou Cristo, para depositarem aos pés do São João os cravos das suas promessas. Das suas promessas, pois claro, pois não é verdade que o santo se encarregava na altura de pedir a Deus que limpasse a pele dos suplicantes dos cravos, ou verrugas, que inexplicavelmente lhes deformavam a derme? Vinham eles (os romeiros, claro), de toda a parte, de perto e de longe, com seus farnéis, em jeito, também, de quem quer inaugurar a época balnear.
Agora já se perdeu esse hábito de vir ao São João em romaria. Os cravos ou verrugas já saem mesmo sem promessas, com um simples e adequado unguento, e até parece que o São João passou à história. E de tal modo assim é que, aquando da criação da paróquia da Praia da Barra, denominada da Sagrada Família, ninguém se lembrou dele para padroeiro daquela terra, a que tantas e tão boas recordações me ligam. Ninguém se lembrou, não! Eu lembrei-me, mas ninguém considerou oportuna a ideia. O São João já não fazia milagres (nem nunca os fez, acrescento eu, que isso é responsabilidade exclusiva de Deus) e portanto está tudo dito.
Ainda havia as fogueiras, em plenas ruas, para queimar o que havia a mais nos quintais. Saltava-se a fogueira entre risadas, cantava-se e dançava-se à roda, até às tantas, passava-se de rua em rua, a ver qual era a maior (seria?), os rapazes decerto para ver as moças e estas à espera deles, sempre sob os olhares curiosos e atentos dos mais velhos, bebiam-se uns copitos e pouco mais.
Agora, a música é outra. Há sardinha e mais sardinha, com boroa, caldo verde e vinho, mas o São João fica esquecido. As tradições, hoje, não são o que eram. Nem têm que ser sempre cópias fiéis de antanho. Respeite-se, no entanto, algo do essencial. O importante é que o povo se divirta, saudavelmente. Com ou sem marchas, com ou sem sardinhas, porque a alegria cura muitos males.

Fernando Martins

Arvoredo com sombras


No parque Infante D. Pedro, em Aveiro, não faltam sombras do arvoredo para podermos sentir a frescura em dias de calor mais forte, se eles vierem, como se espera.

domingo, 21 de junho de 2020

Um Verão tranquilo



Esta minha fotografia não é para servir de modelo ao Verão deste ano, registado para a história como o Verão do coronavírus. É só para lembrar que estamos na estação das praias, desta feita sem os ajuntamentos, como determinam as circunstâncias. Tem havido abusos e as autoridades vão estar atentas, porque o Covid-19 anda por aí a fazer estragos. 
Como regularmente tenciono apresentar mensagens com ares do Verão, lembrei-me de partilhar com os meus amigos esta inquietação motivada por quem ainda não percebeu que a desobediência de alguns pode afetar muita gente. Um Verão tranquilo para toda a gente.

Nota: A partir de hoje, vou passar a escrever os nomes das estações do ano com a primeira letra maiúsculo.

Continuidade e ruptura

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

"O recurso à diferença histórica não pode significar 
o culto da indiferença perante a violência, seja de que época for."

1. Os incitamentos à violência em nome de Deus, no chamado Antigo Testamento (AT), espantam-nos por boas e ambíguas razões. Por boas razões, porque a voz que pode ser escutada, em todos os tempos e lugares, no íntimo da consciência humana, consciência ética, não desresponsabiliza ninguém. O bem é para fazer e o mal para evitar, como o próprio S. Paulo lembrou [1]. Por outro lado, o poema que abre a actual organização da biblioteca do povo de Israel é um hino à bondade e à beleza do universo coroado pela harmonia do ser humano, masculino e feminino. É o fruto da bênção criadora de Deus extasiado com o seu próprio poema cósmico [2].
Nesta perspectiva, dizer Deus é evocar a infinita generosidade de fazer ser e de nos fazer uns para os outros, segundo o carisma de cada um, incompatível com a força demoníaca da destruição. O recurso à diferença histórica não pode significar o culto da indiferença perante a violência, seja de que época for.
Mas a violência actuante no AT pode espantar-nos por ambíguas razões. A mais ambígua de todas é a proclamação comunitária de salmos que invocam Deus para massacres diabólicos. É também ambígua, porque uma desejável selecção dos salmos ou de parte de alguns salmos, para a oração comunitária – o que me parece desejável –, poderia sugerir o projecto de uma Bíblia expurgada, mutilada. Seria uma violência contra a história e um atentado contra a biblioteca de um povo.

sábado, 20 de junho de 2020

A pandemia. Onde está Deus?

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias


"A realidade é processual, e o crente em Deus como Amor e Anti-mal espera a salvação definitiva e plena para lá da morte."

A Universidade de Viena investigou a relação da religiosidade com a pandemia. Os resultados mostraram que as pessoas mais religiosas utilizam estratégias mais activas para dominar a crise. Enquanto as pessoas menos religiosas tendem a reprimi-la ou a negá-la, as mais religiosas procuram apoio social e lidam com ela de modo mais forte, mais optimista e com mais serenidade. 
São dados significativos. Não houve, creio, nenhum estudo sobre o outro lado, mas estou convencido de que dele resultaria que muitos, esmagados pela pandemia, pelo sofrimento, se perguntaram: Onde está Deus? 
A História é um autêntico calvário. Hegel referiu-se-lhe como um Schlachtbank: um açougue, um matadouro. E lá está o famoso dilema de Epicuro: Deus tem de ser todo-poderoso e infinitamente bom. Ou Deus pôde evitar o mal e não quis, e não é bom; ou quis e não pôde, e não é omnipotente. Ou quis e pôde; então, donde vem o mal? 
Mesmo teólogos de renome sentiram-se atenazados pelo dilema, de tal modo que alguns, como J. Moltmann, falaram de um Deus impotente, que sofre connosco; outros, como R. Guardini, chegaram a exclamar que “pediriam contas” a Deus pelo sofrimento dos inocentes, Karl Rahner disse que, “num tribunal humano, não sairia absolvido”, Karl Barth afirmou que, no Jardim das Oliveiras, quando Jesus rezava, suando sangue, Deus “se portou como Judas”, e Urs von Balthasar disse que “se deve falar de uma descarga de ira de Deus sobre aquele que lutava no Jardim das Oliveiras.” Nestas posições, a pergunta ergue-se talvez ainda mais veemente: acreditar como e para quê num Deus irado ou impotente?

VERÃO


Com um dia luminoso, o VERÃO chegou. A estação do calor, do sol luminoso, das praias da alegria, das águas cristalinas, das serras acolhedoras, das férias para descanso, dos amigos que voltam para matar saudades, dos encontros familiares e de tantos momentos de convívio está de volta! Sem pretender acordar tristezas, falar de vírus e mágoas desesperantes, de doenças que incomodam, de ausências, tantas de curta duração e outras definitivas, o VERÃO veio para nos animar a vencer barreiras, para restaurar a nossa esperança, para nos levar a criar raízes de partilha e verdade, para nos convidar a espalhar fraternidade, para nos abrir a novos horizontes.
Eu continuarei por aqui, se Deus quiser. Vontade não me falta!
Bom VERÃO para todos.

Fernando Martins

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Ria de Aveiro na literatura

Costa Nova e Barra
Torreira

“E voltando-se então, verá as águas mansas da extensíssima ria fulgurando de todos os lados: e, entre elas, as salinas, recticuladas pelos tabuleiros em evaporação, com os seus montes cónicos de sal novo dando a impressão de um largo acampamento de tendas imaculadamente brancas espalhadas a perder de vista pela vastidão dos polders. Para o sul, terá o braço da ria que segue para Ílhavo e Vagos e que margina os pinhais e campos arenosos da Gafanha; a seguir, em sentido inverso, o outro braço que se alonga para as Duas Águas e vai dar à Barra, e donde emergem as mastreações das chalupas e iates ancorados; ao poente, a linha fulva das dunas da costa, vaporizadas pela tremulina; e para o norte a imensa ria da Torreira, onde o arquipélago das ilhas baixas, formadas pelas aluviões, a Testada, o Amoroso, a dos Ovos, a das Gaivotas, Monte Farinha, verdejam nas suas extensas praias de junco. E nessa vastidão de águas tranquilas, nesse gigantesco pólipo fluvial que por todos os lados estende os seus fluídos tentáculos, entre a rede confusa dos esteiros e canais, bordados de tamargueiras e de caniços, velas sem conta, velas às dezenas, às centenas, vão, vêm, bolinando em todos os sentidos, e pondo no verde das terras ou no azul das águas a doçura do seu deslizar silencioso e a graça da silhueta branca.”


Luís de Magalhães

In “A arte e a natureza em Portugal”, 
citado por Orlando de Oliveira,
no seu livro "Origens da Ria de Aveiro"

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