Crónica de Anselmo Borges no Diário de Notícias
1 A actual sociedade europeia de que fazemos parte tem, na expressão do filósofo E. Husserl, uma nova "forma de vida", isto é, um horizonte novo de vivência, sentido e autocompreensão, a partir de três princípios fundamentais.
Trata-se de uma sociedade à qual foi possibilitado imenso bem-estar, derivando daí novas possibilidades de auto-realização e também um feroz individualismo, que apenas reivindica direitos ignorando deveres.
Por outro lado, as novas tecnologias têm um impacto decisivo nas sociedades, e não só no plano socioeconómico: mudam as mentalidades. Por exemplo, estar ligado à rede, navegando, afecta a vivência de si e do mundo. A concepção de espaço é outra, muda sobretudo a vivência do tempo. Tudo é rápido, vertiginoso. Tem-se a sensação de estar ao mesmo tempo em toda a parte, mas num tempo fragmentado, que não faz tecido. No bombardeamento simultâneo de notícias e opiniões - toda a gente se pronuncia sobre tudo, sem hesitações nem perplexidades -, o que acontece é a dispersão labiríntica, que dificulta a construção de uma identidade narrativa consistente. Paradoxalmente, a ligação global produz solidões penosas. Há um sentimento de quase omnipotência, seguindo-se daí que tudo o que é tecnicamente possível se deve realizar, sem perguntas de outro foro, ético, humanista. A satisfação imediata e o facilitismo são outras características de uma sociedade líquida e mole, cujo deus é o dinheiro.
Desta forma de vida faz parte ainda a crítica religiosa, no sentido de um laicismo agressivo.