Reflexão de Georgino Rocha
“Então, Deus vive em mim. Que maravilha! – exclama a bondosa senhora após a conversa com o seu pároco a propósito de uns problemas de consciência. “Vive em mim, faz-me companhia, anima-me quando estou esmorecida, abre-me aos outros e tantas outras coisas lindas e boas. Que felicidade!”
As suas exclamações são muitas mais. O encanto da descoberta manifesta a novidade surpreendente de quem se dá conta desta realidade da fé cristã. Deus faz-nos seus templos. Escolhe-nos para sua morada (Jo 14, 23). Vive ao nosso ritmo. Humaniza-se e assume a nossa fragilidade. Relaciona-se connosco a partir de dentro. Enobrece a consciência, ilumina a inteligência, mobiliza a vontade para causas nobres e quer ajudar a equilibrar os afectos. Dá sinais claros de ser um Deus comunhão, único e uno, na trindade de pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. A Santíssima Trindade que, hoje, celebramos festivamente.
A razão humana pressente quem Deus é pois tem a marca do Criador, aspira à verdade plena e libertadora, sente-se atraída pela beleza e pela bondade sumas, delicia-se na admiração contemplativa e sapiencial. Esta apetência natural e desenvolvida pelas culturas humanizantes é colmatada pela progressiva revelação divina narrada nas Escrituras e totalmente satisfeita em Jesus de Nazaré, a imagem do Deus invisível em que Deus habita em plenitude ( Col 1, 15 e 19). O Espírito Santo introduz-nos nesta realidade sublime e faz-nos saborear na medida das nossas capacidades a comunhão cheia de vida gerada pela relação das Pessoas divinas da Trindade. Só Ele que foi derramado nos nossos corações opera tal maravilha.
Iluminados pela sua graça, vemos o modelo exemplar da nossa relação mútua, naturalmente desejada, da nossa intercomunicação e autodoação, familiar e socialmente acarinhada e cultivada, da nossa capacidade de superação e sublimação, potenciada pelos dons do mesmo Espírito docilmente acolhidos que desabrocham nos frutos correspondidos.
“Sob esta luz, afirma o Papa Francisco na «Alegria do Amor», nº 11, a relação fecunda do casal torna-se uma imagem para descobrir e descrever o mistério de Deus, fundamental na visão cristã da Trindade que, em Deus, contempla o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O Deus Trindade é comunhão de amor; e a família, o seu reflexo vivente”. Como nos faz bem apreciar a família, apesar de tantas fragilidades e sombras, a partir do “mergulho” no amor que a Santíssima Trindade vive e generosamente nos comunica e confia! Quanto alento para os casais que não se acomodam à situação em que se encontram, mas, assumindo-a, se propoêm dar um passo em frente procurando uma melhoria relacional aberta ao futuro desejado, aos outros, a Deus! Quantos desafios estimulantes para as comunidades eclesiais e seus membros, desafios de atenção, de proximidade, de acompanhamento que ajuda a discernir e a integrar as pessoas que se sentem excluídas e discriminadas!
O agir de Deus na história é obra da Trindade, embora se atribua ao Pai a criação, ao Filho a redenção e ao Espírito a santificação ou seja a função de guia de vontades humanas livres para cooperarem na realização do projecto de salvação de toda a humanidade, criaturas e criação. O Filho que é Jesus de Nazaré, ainda que sempre “acompanhado” pelas outras pessoas divinas e em comunhão com elas, assume “individualmente” o fazer-se humano e viver a aventura do amor de doação até ao fim: a morte de cruz que faz surgir radiante a ressurreição pascal.
Em Deus Trindade, aprendemos a ver o modelo impulsionador do que deve ser a nossa vida de convivência de uns com os outros: relação de comunhão fraterna, comunicação profunda e dialogante, igualdade na dignidade, respeito nas diferenças legítimas e na autonomia pessoal, cooperação solidária, amor sempre e em tudo. Em Deus Trindade, aprendemos a dar um não rotundo à solidão imposta, ao isolamento forçado, ao individualismo egoísta, à autocomplacência estéril. A fé em Deus, faz-se estilo de vida e gera uma convivência nova. Sejamos ousados e confiantes! A Trindade vive em nós e quer agir pelas nossas capacidades. Que maravilha! Rejubila!