SARAMAGO E DEUS
Anselmo Borges
Passado o rebuliço mediático, quereria escrever sobre o tema em epígrafe. Só sobre ele. Deixo, pois, as questões literárias, partidárias, políticas, incluindo a nódoa indelével daquele desgraçado despedimento de 22 jornalistas do DN por delito de opinião. Exijo-me este texto, até porque, numa entrevista a João Céu e Silva, Saramago se me referiu com admiração por ter lido e gostado do seu livro Caim: "Até fiquei surpreendido quando ouvi um teólogo - uma coisa é um teólogo e outra um padre -, Anselmo Borges, dizer que tinha gostado do livro".
Quem, no meu entender, melhor escreveu sobre o tema foi Eduardo Lourenço. Entre outras coisas, porque introduziu o pensar sobre o ateísmo até ao limite. "O que designamos por 'ateísmo', na sua literal acepção, significa, geralmente, mais do que o seu conteúdo dialecticamente negativo. Denota um relacionamento de grau nulo com o referente Deus. É tão impensável ou inacessível na sua ordem como a pura transcendência, que é conteúdo real ou imaginário de Deus. Ser ateu é só ser e estar 'sem Deus'. Perspectiva tão vertiginosa como a que a referência a Deus assinala, sob o modo de uma 'ausência' tão impensável como a de Deus e não menos 'abscôndita', só que mais dolorosa, que a da presença das presenças."