A fragilidade em que vivemos está bem patente na ameaça de pandemia que aí está, com a gripe suína a preocupar toda a gente. Foi há tempos a gripe das aves, como tem sido com outras doenças. O homem vive, realmente, na corda bamba. E se é verdade que algumas pandemias podem ser anunciadas, como esta está a ser, também é certo que há outras que se insinuam sem ninguém dar por ela. Em Portugal, pelo que se sabe, ainda não entrou. Mas todo o cuidado é pouco. E já repararam que a mola real das pandemias assenta na globalização?
terça-feira, 28 de abril de 2009
Inclusão do semelhante
Ser diferente ou existir em minoria é o estandarte para reivindicar a bandeira da inclusão. E com justiça, pois nunca são de monta as diferenças evocadas para distinguir pessoas, grupos ou etnias. A unir todas as particularidades está essa circunstância única que é a dignidade da pessoa: uma condição antes de ser um direito.
O problema não se colocará, no entanto, apenas em contextos de diferença. Também onde reina a semelhança não são poucos os episódios de exclusão, de diferenciação, de distinção subjectiva de pessoas, ideias ou projectos. E com o prejuízo que decorre dessas atitudes: para o próprio grupo, como também para toda a sociedade.
São mais notórias essas “falsas-diferenças” quando emergem na história do presente exemplos de grandes feitos à custa da construção da unidade entre pessoas, ao redor de causas, sejam elas nacionais ou religiosas, mas sempre humanas. É o caso de S. Nuno de Santa Maria, o Condestável que rejeitava apenas o erro, o perverso, o corrupto para catalisar esforços em benefício de objectivos maiores. E com resultados históricos, uma Nação, e pessoais, a santidade, que estão agora diante de tudo e de todos.
São também mais necessários os pequenos e os grandes contributos, todos os recursos, quando se quer “reinventar a solidariedade” que proporcione dignidade de vida a todas as pessoas, devolva a justiça e a paz às sociedades e permita a existência a todos os seres.
São ainda esperadas atitudes solícitas de homens e mulheres que optam por de serem sinais e agentes de um novo Reino, proclamado há 2000 anos, apostado em fazer da ordem natural das coisas a lei por excelência para a relação entre pessoas e para o governo das coisas. Cada um na sua circunstância e seguindo sempre as pisadas de um Mestre que em todos os momentos fez a vontade d’Aquele que O enviou.
Na era da fragmentação das pessoas, das coisas, do tempo e do espaço, urge devolver a continuidade e a estabilidade a projectos que visam a construção da dignidade humana. Na espera paciente por resultados positivos e duradouros e na inclusão de todas as partes: as que são diferentes e também as que são semelhantes.
Paulo Rocha
Um poema de Domingos Cardoso
Palavras
Puras... são como um cristal as palavras
Que baixinho ao ouvido me segredas;
Com elas o meu peito inteiro lavras,
De alva paixão semeias labaredas.
Doces... palavras são como a fina trama
Desse tear de enredos em que teces
Os límpidos lençóis da nossa cama
E onde, abraçada a mim tu adormeces.
Frágeis... palavras são como a branca taça
Por onde tomo um leve e suave trago:
Bebendo, longamente, a tua graça,
Perdido em teu sorriso eu me embriago.
Leves... palavras são como a clara brisa
Passando, fresca, ao fim das tardes calmas
E o segredo que nelas se eterniza,
É o que mantém unidas nossas almas.
Domingos Freire Cardoso
segunda-feira, 27 de abril de 2009
Desafios do Condestável
1. Corria o ano de 1360, a 24 de Julho, segundo os historiadores em Cernache do Bonjardim nascia Nuno de Santa Maria. Aos treze anos torna-se pajem da rainha D. Leonor, sendo acolhido na corte e acabando pouco depois em cavaleiro. Quando da morte do rei D. Fernando I (a 22 de Outubro 1383), sem ter gerado filhos varões verifica-se o vazio no poder, a que seu irmão D. João Mestre de Avis responde envolvendo-se na luta pela coroa pretendida pelo rei de Castela. Os contextos difíceis da história da época de trezentos, sofrendo de profundas mazelas e de grave crise social, reclamavam visões e posturas claras de defesa da identidade e do património nacional, não que tal represente com os olhos de hoje um nacionalismo cego mas um dever de zelo comunitário inalienável.
2. Nuno Álvares Pereira toma o partido da defesa da nacionalidade no proteger D. João, o qual o nomeou Condestável, estratega e comandante supremo do exército, missão que levou a efeito com sucesso registando-se a 14 de Agosto de 1385, ao fim de muitas, a simbólica vitória de Aljubarrota que poria fim à crise da sucessão. Faz parte da história e da identidade dos portugueses – mesmo que sem mitologias – que, com a chegada de D. João I à coroa, se inicia uma nova era no desígnio das gentes da costa ocidente europeia, facto este (da base de sustentabilidade para o encontro de culturas operado nas descobertas) que também muito se deve à educação em valores universalistas dada aos filhos de D. João e Filipa de Lencastre. Um conjunto de valores e de confianças perpassaram nas gentes da época que, à semelhança de Nuno e D. João, terão sido pilares da edificação comunitária.
3. Muito se escreveu e se disse, nos vários prismas, sobre o acontecimento que no passado domingo elevou à santidade o militar com alma, apelidado na sua morte de “Santo Condestável” (Páscoa de 01-04-1431). Apurar a memória também será “desatar” alguns dos problemas actuais!
Alexandre Cruz
O que os ovos moles tiveram de mudar para poderem ficar precisamente na mesma
Foram vários os caprichos da União Europeia que, por exemplo, roubou aos ovos moles a possibilidade de se aconchegarem em tabuleiros de madeira e os fez acamar em desconfortáveis grelhas de inox. Mas este mês chegou a hora da retribuição. As mais antigas e tradicionais doceiras, como a dona Silvininha, podem dormir descansadas, que a receita original já está protegida pela lei. Por Graça Barbosa Ribeiro (texto) e Paulo Pimenta (fotos), no PÚBLICOO Condestável já não mobiliza ninguém
Em seis séculos, o Condestável perdeu capacidade de mobilizar o país e a Igreja. O homem a quem se reconhecem virtudes éticas mesmo na guerra e que foi capaz de renunciar a títulos e bens para andar descalço por Lisboa a pedir para os pobres não criou agora, com a sua canonização, grandes entusiasmos por parte do Estado, nem dos católicos. Esse vazio foi, aliás, ocupado (legitimamente) por sectores conservadores da Igreja e pela causa monárquica.
Certo que o acontecimento de ontem era religioso. Mas quando o Estado se associa com entusiasmo a celebrações de futebóis, causa estranheza não ver mais empenho em relação a uma figura que marcou a História do país - para o bem ou para o mal, admitam-se as opiniões.
A Igreja também não foi capaz ainda de vincar um discurso rigoroso e actual em relação ao novo santo - as duas intervenções do Papa, ontem, são disso exemplo. A hagiografia tem oscilado entre a "exaltação patriótica" do militar - que o patriarca de Lisboa teve a preocupação de rejeitar - e as virtudes e histórias que às vezes se confundem com lendas. Como dizia o cardeal Policarpo, faz falta que a história investigue mais a figura do Condestável.
Falta outra coisa, que a canonização evidenciou: o segredo em que os responsáveis católicos colocam os processos das curas que permitem as beatificações e canonizações não ajuda a dar credibilidade a tais acontecimentos. Sentiu--se isso com a beatificação dos videntes de Fátima, sentiu-se de novo agora.
Ontem, o cardeal Saraiva Martins declarava-se "feliz" pela conclusão do processo, após "tanto trabalho" que teve para concluir em três meses o que levaria "cinco a seis anos". Ora, as dúvidas surgidas em tantos sectores da opinião pública (incluindo a católica) não podem ser olhadas de soslaio pelos responsáveis da Igreja. Para que os santos sejam mesmo modelos para quem os quer seguir.
António Marujo
27.04.2009
domingo, 26 de abril de 2009
A liberdade como tarefa
1. Por estes dias das comemorações do 25 de Abril, talvez mais que o hábito de cada ano até pela conjuntura social e política (de três eleições), ouviram-se da parte dos cidadãos as maiores generalizações, estas que são sempre reflexo de questões e valores ainda não justamente diferenciados e por isso não sábia e sadiamente amadurecidos. O valor da liberdade, mesmo que com a subjectividade que encerra, não é como um jogo de números ou um resultado de futebol. Pelas rádios nacionais de maior audiência, muitos foram os fóruns dedicados ao designado 25 de Abril. Muita da intervenção dos cidadãos revelou, dizemos, sinais preocupantes em termos cívicos, parecendo desnorteado o equilíbrio do bom senso e transvazando sempre para os «outros» os males do país, este também um hábito discursivo das lideranças políticas revelador do estado de sítio desculpabilizador.
2. O dizer-se num “de repente” radiofónico que, em termos do valor liberdade, antes era tudo mau e agora é tudo bom, ou, ao contrário, que agora é tudo bom mau e antes é que era bom, manifesta, mais que uma autêntica precipitação incorrecta em relação à história, um reflexo da maturidade cívica (ou não) da sociedade portuguesa. Esta forma típica simplista de analisar as questões ampla e profundamente complexas de modo rápido e pragmático, tem feito de nós mais um país de solavancos emocionais que de consistências de projectos envolventes em razão comunitária. Persistir na conclusão de que se algo no presente está mal (ou bem) resulta como consequência directa do que aconteceu há uma, duas ou três décadas, continua a dar aquele sinal do compromisso adiado das renovações urgentes no presente.
3. Os ângulos da liberdade serão infinitos, mas é certo que no tempo da história desafiam à garantia dos pilares da ética (pessoal e social) de responsabilidade. Será nesta bitola, não linear nem simplista, que haveremos de compreender que a liberdade nunca é um dado mas uma tarefa (diária) de todos!
Alexandre Cruz
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