terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Como tornar a cinza em lume?


A Quaresma coincide com o irromper da primavera, e a coincidência não é apenas de calendário, mas de fundo. Há um nítido apelo primaveril, o mesmo sopro tenro, um igual perfume disseminado nesta proposta quaresmal, que pode até (injustamente) passar por sisuda ou anódina, quando é o oposto disso.
A Quaresma é um tempo simbólico. Constitui, em vista da Páscoa, um sobressalto vital. A Quaresma vem exorcizar o fatalismo, reagir ao ditado pragmático do "deixa andar". Tudo isso em nome de uma grande esperança: "Pode um homem sendo velho nascer de novo?", perguntava Nicodemos a Jesus. E não ficou sem resposta.
Neste pôr-a-vida-em-processo-de-florescimento somos ajudados por três expressões do património espiritual cristão:
1. A oração. A oração é uma brecha que nasce da escuta. Pelo provisório faz passar o Eterno. Ao puramente histórico empresta uma vocação transcendente. Permite que o homem olhe não apenas para Deus, mas seja capaz de olhar-se a ele próprio com os olhos de Deus.
2. O jejum. Vivemos triturados na digestão que o mundo faz de nós. Trazemos o Ser hipotecado ao Ter. Corremos de um lado para outro, reféns e instrumentos, mais do que autónomos e criativos. A privação, quando corresponde a um acto espiritual, amplia o campo da liberdade. Cria novas disponibilidades, possibilita o exercício do pensamento e do discernimento, melhora o sentido de humor…
3. Ao jejum está ligada a prática da esmola, que tem a sua modalidade mais autêntica na condivisão. Lê-se no profeta Isaías: "O jejum que Eu quero não será antes este: quebrar as cadeias injustas, desatar os laços de servidão…? Não será repartir o teu pão com o faminto, dar pousada aos pobres sem abrigo, levar roupa aos que não têm com que se vestir e não voltar as costas ao teu semelhante?". O jejum abre o nosso coração aos outros. A esmola testemunha-o no compromisso por um mundo fraterno.
Por isso, quando, ao começar a Quaresma, os cristãos recebem sobre a sua cabeça o sinal das cinzas, acolhem também a interpelação: "como tornar a cinza em lume?"

José Tolentino Mendonça

Renúncia quaresmal que não chega a quem precisa



Beneficiar quem não tem que comer, quem se viu privado de casa por alguma tragédia natural, quem não tem emprego...

Recordo uma conversa com o saudoso padre Armindo Duarte, então pároco do Campo Grande (Lisboa), há já uns quantos anos: dizia ele que a renúncia quaresmal não devia ficar em casa. Isso seria o mesmo que ajudar apenas a família. E acrescentava que a Quaresma deveria ser, "antes de mais, um tempo de profunda revisão de vida e de renúncia a tudo o que pode centrar o homem em si próprio e não em Deus".
Percebo, ao lembrar estas palavras, que falta uma intensa pedagogia da renúncia e da partilha fraterna. É verdade que, colocados perante emergências graves (terramotos, inundações,…), os cristãos respondem com generosidade. Mas também é verdade que essas situações têm respostas generosas de toda a sociedade civil. Os cristãos não fazem mais que os outros, poderíamos então dizer.
Onde os cristãos se devem distinguir dos outros é no espírito que aprendemos nos Actos dos Apóstolos: "Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. (…) Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum" (2, 42; 44).
Não se trata de fazer igual, mas de recriar, para os tempos de hoje, o mesmo espírito. Ora, é aí, na pedagogia e recriação da partilha, que as comunidades cristãs estão a falhar. Que consciência social temos dos pobres à nossa volta, das milhares de famílias que não têm o dinheiro suficiente para comer e satisfazer as suas necessidades básicas? Dizem os números que, em Portugal, são ainda vinte por cento da população: em cada cinco pessoas à nossa volta, há quatro que vivem bem demais, porque uma vive mal demais.
Claro que existe a renúncia quaresmal. Mas, desde há vários anos, sinto que esta iniciativa, tão genuína e interpeladora na sua origem, está abastardada. Ela começou por ser um modo de nos mobilizarmos para apoiar outros, mais necessitados, renunciando a algum supérfluo do que era nosso. Hoje, ela é uma forma tranquila de descansarmos a consciência com mais um gesto sem consequências: no final da Quaresma, coloca-se uma ou duas notas no respectivo envelope que a paróquia forneceu, entrega-se e a vida continua.
Há outro problema, colectivo: a maior parte dos destinos dados ao dinheiro recolhido na renúncia quaresmal (neste, como em outros anos) tem sido para a construção de edifícios e infra-estruturas eclesiais.
Sei que muitos deles são fora de Portugal, tal como de novo sucede este ano. Em vários casos, os beneficiados são os cristãos e as igrejas dos países lusófonos, aos quais nos ligam laços de história e fraternidade. Admita-se, portanto, que a renúncia quaresmal sai de casa, para utilizar a expressão do padre Armindo. Sai, sai de casa. Mas é, ainda, a nossa família alargada que dela beneficia.
Serve a Quaresma, ainda, para alguma coisa? Interpela-nos o autêntico sentido da Páscoa? O que defendo, então? Que um verdadeiro espírito de partilha concretizado através da renúncia quaresmal deve beneficiar quem não tem que comer, quem se viu privado de casa por alguma tragédia natural, quem não tem emprego. Deve optar, antes, por apoiar o que possam ser projectos de desenvolvimento que beneficiem as pessoas e não apenas infra-estruturas. Há milhões de pessoas no mundo sem nada, à espera de poder beneficiar do progresso de que nós já beneficiamos. Milhões de pessoas que desejam, apenas, construir a sua vida. Enquanto nós optamos por ajudar a construir paredes.

António Marujo, Jornalista

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Na Linha Da Utopia


Não é “mais um” doente

1. Celebrar-se o Dia Mundial do Doente a 11 de Fevereiro de cada ano, é oportunidade para reflectirmos sobre esta sensível realidade. Doentes todos já o fomos, somos ou seremos. É por isso que sempre teremos de falar na primeira pessoa e com tal sensibilidade que de pouco valem as frases feitas, decoradas ou as receitas pré-elaboradas. O facto de cada pessoa ser um mundo aplica-se de forma explícita neste terreno da limitada condição humana. Falar de doença ou sofrimento, mais que teorias, será falar de pessoas doentes, em que todo o aconchego colaborante será bem-vindo ao necessário alívio possível e conforto em horas e dias tão difíceis.
2. Não pretendemos falar dos cuidados paliativos, das receitas clínicas, de toda a gama diversificada dos cuidados de saúde. Interessa-nos compreender o que está antes e que dá razão de ser às comunidades hospitalares ou a uma sociedade que deve colocar os mais frágeis no centro das suas preocupações. O modo como compreendemos, cooperamos e agimos para com as pessoas doentes (estamos sempre na primeira pessoa) será o modelo de sociedade que procuramos como ideal. E neste patamar, todas as ajudas serão bem vindas, da ordem das dores físicas até à ordem da paz de espírito. Não compreender isto será desfocar não servindo a Pessoa.
3. Se todas as políticas sempre terão de colocar as pessoas acima de tudo, então em quadrantes como a saúde esse centro de referência merecerá a máxima atenção, em área onde cada momento de tempo, sempre único, pode ser fatal. Talvez na vida das sociedades esta seja mesmo uma da áreas mais sensíveis onde, pelo cuidado minucioso, não pudesse haver ninguém que trabalhasse na saúde por qualquer outro interesse que não fosse uma clara VOCAÇÃO de serviço às pessoas na sua condição de fragilidade. A este respeito, os tempos parecem difíceis. Sem pretendermos generalizar, muitos negócios da saúde são escandalosos; ainda há dias falava-se dos milhões dos transplantes (Visão, 7 Fev.).
4. Felizmente que hoje vai sendo caminho aberto das comunidades hospitalares o saber-se acolher todas as ajudas que, no respeito pela livre consciência, podem garantir serenidade exterior e interior às pessoas doentes. Afinal, que outra função dos estados senão o garantir e mesmo promover este terreno de liberdade? As comunidades hospitalares, acolhedoras do pluralismo dos seus utentes (que são acima de tudo) PESSOAS, assim, abrem-se à totalidade da humanidade daqueles que lá passam os “momentos” da sensibilizada fronteira do sofrimento. Nessa hora, venha toda a força, toda a paz, toda a sensibilidade, toda a presença, todas as palavras mesmo que no silêncio!

Alexandre Cruz

“FILIPA DE LENCASTRE – A rainha que mudou Portugal”


“FILIPA DE LENCASTRE – A rainha que mudou Portugal” é um romance histórico de Isabel Stilwell, jornalista e escritora, de ascendência inglesa. Pela leitura desta obra, que se apoiou em muita investigação, percebe-se o entusiasmo com que Isabel Stilwell trabalhou. Era preciso, como a personalidade da rainha que mudou Portugal exigia, escrever um texto com o rigor histórico possível, mais de seiscentos anos depois dos factos relatados. Um romance histórico não tem que seguir, rigorosamente, os pormenores que um tratado científico merece e exige. No entanto, como li algures, há anos, para se conhecer a vida do povo de uma época, nada melhor do que um romance.
Quem gosta de história, em especial quem estudou História de Portugal, tem neste livro uma excelente oportunidade para se deliciar com um romance, cujas personagens são conhecidas. Uma rainha culta e de personalidade forte, mãe da “Ínclita geração; altos infantes”, no dizer de Camões, rigorosa e cuidadosa com a educação dos seus filhos, mas ainda de seu marido, Filipa de Lencastre moralizou os (maus) hábitos da corte.
À medida que as páginas corriam, fui recordando factos e pessoas da história que a minha memória tinha atirado já para uma gaveta, cenas que na minha juventude me encantaram, projectos e heróis que ajudaram a construir o Portugal de hoje e que andam muito esquecidos.
O livro está dividido em duas partes: “Philippa, Princesa de Inglaterra” e “Filipa, Rainha de Portugal”. Dois países e dois povos de muitos contrastes, com a protagonista desta obra a reflectir e a agir em conformidade com a sua educação e formação religiosa, alicerçadas numa sensibilidade muito delicada, que procurou incutir em quantos a rodeavam e serviam, nomeadamente os seus descendentes. Quem gostar de ler tem aqui uma boa oportunidade para ocupar, de forma diferente, os tempos livres.

FM

domingo, 10 de fevereiro de 2008

MUNDIAL DE FUTEBOL: PRESIDENTE DA REPÚBLICA PEDE CALMA



Cavaco Silva diz que Portugal tem "outras prioridades", para além da organização do Mundial 2018 de Futebol. O nosso País precisa, de facto, de pessoas com o sentido das responsabilidades.
A ideia anda no ar. Gilberto Madail terá avançado com a ideia de uma candidatura conjunta, com a Espanha, ao Mundial de Futebol de 2018. Os portugueses até parece que se esqueceram já do EURO 2004, que levou Portugal a construir, com clubes e autarquias, estádios de futebol que estão, agora, às moscas.
Num País quase sempre em crise, com milhares de portugueses em dificuldades, não nos podemos dar ao luxo de andar a pensar em projectos megalómanos, que trariam, é certo, prestígio a Portugal, mas que tirariam o lugar a outros mais urgentes.

FM

Barra de Aveiro, aberta há dois séculos

Golfinhos nos Açores

Clicar na imagem para ver melhor

Ontem recebi esta foto do mar dos Açores. De inédito tem o facto de registar a passagem, rara nesta altura do ano, de golfinhos, ao largo da ilha de S. Jorge. Causou espanto, mas houve a calma suficiente para registar a presença dos golfinhos em tranquila passagem de passeio pelas ilhas açorianas. Eles lá iam, serenos, rumo a paragens que só os próprios conheciam.

Etiquetas

A Alegria do Amor A. M. Pires Cabral Abbé Pierre Abel Resende Abraham Lincoln Abu Dhabi Acácio Catarino Adelino Aires Adérito Tomé Adília Lopes Adolfo Roque Adolfo Suárez Adriano Miranda Adriano Moreira Afonso Henrique Afonso Lopes Vieira Afonso Reis Cabral Afonso Rocha Agostinho da Silva Agustina Bessa-Luís Aida Martins Aida Viegas Aires do Nascimento Alan McFadyen Albert Camus Albert Einstein Albert Schweitzer Alberto Caeiro Alberto Martins Alberto Souto Albufeira Alçada Baptista Alcobaça Alda Casqueira Aldeia da Luz Aldeia Global Alentejo Alexander Bell Alexander Von Humboldt Alexandra Lucas Coelho Alexandre Cruz Alexandre Dumas Alexandre Herculano Alexandre Mello Alexandre Nascimento Alexandre O'Neill Alexandre O’Neill Alexandrina Cordeiro Alfred de Vigny Alfredo Ferreira da Silva Algarve Almada Negreiros Almeida Garrett Álvaro de Campos Álvaro Garrido Álvaro Guimarães Álvaro Teixeira Lopes Alves Barbosa Alves Redol Amadeu de Sousa Amadeu Souza Cardoso Amália Rodrigues Amarante Amaro Neves Amazónia Amélia Fernandes América Latina Amorosa Oliveira Ana Arneira Ana Dulce Ana Luísa Amaral Ana Maria Lopes Ana Paula Vitorino Ana Rita Ribau Ana Sullivan Ana Vicente Ana Vidovic Anabela Capucho André Vieira Andrea Riccardi Andrea Wulf Andreia Hall Andrés Torres Queiruga Ângelo Ribau Ângelo Valente Angola Angra de Heroísmo Angra do Heroísmo Aníbal Sarabando Bola Anselmo Borges Antero de Quental Anthony Bourdin Antoni Gaudí Antónia Rodrigues António Francisco António Marcelino António Moiteiro António Alçada Baptista António Aleixo António Amador António Araújo António Arnaut António Arroio António Augusto Afonso António Barreto António Campos Graça António Capão António Carneiro António Christo António Cirino António Colaço António Conceição António Correia d’Oliveira António Correia de Oliveira António Costa António Couto António Damásio António Feijó António Feio António Fernandes António Ferreira Gomes António Francisco António Francisco dos Santos António Franco Alexandre António Gandarinho António Gedeão António Guerreiro António Guterres António José Seguro António Lau António Lobo Antunes António Manuel Couto Viana António Marcelino António Marques da Silva António Marto António Marujo António Mega Ferreira António Moiteiro António Morais António Neves António Nobre António Pascoal António Pinho António Ramos Rosa António Rego António Rodrigues António Santos Antonio Tabucchi António Vieira António Vítor Carvalho António Vitorino Aquilino Ribeiro Arada Ares da Gafanha Ares da Primavera Ares de Festa Ares de Inverno Ares de Moçambique Ares de Outono Ares de Primavera Ares de verão ARES DO INVERNO ARES DO OUTONO Ares do Verão Arestal Arganil Argentina Argus Ariel Álvarez Aristides Sousa Mendes Aristóteles Armando Cravo Armando Ferraz Armando França Armando Grilo Armando Lourenço Martins Armando Regala Armando Tavares da Silva Arménio Pires Dias Arminda Ribau Arrais Ançã Artur Agostinho Artur Ferreira Sardo Artur Portela Ary dos Santos Ascêncio de Freitas Augusto Gil Augusto Lopes Augusto Santos Silva Augusto Semedo Austen Ivereigh Av. José Estêvão Avanca Aveiro B.B. King Babe Babel Baltasar Casqueira Bárbara Cartagena Bárbara Reis Barra Barra de Aveiro Barra de Mira Bartolomeu dos Mártires Basílio de Oliveira Beatriz Martins Beatriz R. Antunes Beijamim Mónica Beira-Mar Belinha Belmiro de Azevedo Belmiro Fernandes Pereira Belmonte Benjamin Franklin Bento Domingues Bento XVI Bernardo Domingues Bernardo Santareno Bertrand Bertrand Russell Bestida Betânia Betty Friedan Bin Laden Bismarck Boassas Boavista Boca da Barra Bocaccio Bocage Braga da Cruz Bragança-Miranda Bratislava Bruce Springsteen Bruto da Costa Bunheiro Bussaco Butão Cabral do Nascimento Camilo Castelo Branco Cândido Teles Cardeal Cardijn Cardoso Ferreira Carla Hilário de Almeida Quevedo Carlos Alberto Pereira Carlos Anastácio Carlos Azevedo Carlos Borrego Carlos Candal Carlos Coelho Carlos Daniel Carlos Drummond de Andrade Carlos Duarte Carlos Fiolhais Carlos Isabel Carlos João Correia Carlos Matos Carlos Mester Carlos Nascimento Carlos Nunes Carlos Paião Carlos Pinto Coelho Carlos Rocha Carlos Roeder Carlos Sarabando Bola Carlos Teixeira Carmelitas Carmelo de Aveiro Carreira da Neves Casimiro Madaíl Castelo da Gafanha Castelo de Pombal Castro de Carvalhelhos Catalunha Catitinha Cavaco Silva Caves Aliança Cecília Sacramento Celso Santos César Fernandes Cesário Verde Chaimite Charles de Gaulle Charles Dickens Charlie Hebdo Charlot Chave Chaves Claudete Albino Cláudia Ribau Conceição Serrão Confraria do Bacalhau Confraria dos Ovos Moles Confraria Gastronómica do Bacalhau Confúcio Congar Conímbriga Coreia do Norte Coreia do Sul Corvo Costa Nova Couto Esteves Cristianísmo Cristiano Ronaldo Cristina Lopes Cristo Cristo Negro Cristo Rei Cristo Ressuscitado D. Afonso Henriques D. António Couto D. António Francisco D. António Francisco dos Santos D. António Marcelino D. António Moiteiro D. Carlos Azevedo D. Carlos I D. Dinis D. Duarte D. Eurico Dias Nogueira D. Hélder Câmara D. João Evangelista D. José Policarpo D. Júlio Tavares Rebimbas D. Manuel Clemente D. Manuel de Almeida Trindade D. Manuel II D. Nuno D. Trump D.Nuno Álvares Pereira Dalai Lama Dalila Balekjian Daniel Faria Daniel Gonçalves Daniel Jonas Daniel Ortega Daniel Rodrigues Daniel Ruivo Daniel Serrão Daniela Leitão Darwin David Lopes Ramos David Marçal David Mourão-Ferreira David Quammen Del Bosque Delacroix Delmar Conde Demóstenes

Arquivo do blogue

Arquivo do blogue