Será enfado? "Com esta coisa quase deixei de ter tempo para o que gosto..." Modéstia? "Isto é circo", diz, referindo-se aos autocolantes que espalharam a sua cara por tudo o que é parede da escola - "Estamos muito contentes!". Ironia? "Se calhar ganhei porque o júri reconheceu a minha tralha consolidada."
Talvez uma soma disto tudo ou nada disto. Há uma verdade e é esta: a vida de Arsélio Martins, 59 anos, quase deixou de lhe pertencer desde que foi anunciado como vencedor da primeira edição do Prémio Nacional de Professores. Não é que ter jornalistas à perna durante uma semana o aborreça; só que ele tem cada vez menos tempo. "E o que eu mais preciso enquanto professor é de tempo", explica, depois de uma aula de 90 minutos do 10.º B da Escola Secundária José Estêvão, em Aveiro.
A escola está "muito contente", já percebemos. Ele, professor de Matemática há 35 anos, está sobretudo "honrado" por ter sido distinguido no seio da escola de José Pereira Tavares (1887-1983), professor e reitor do então Liceu de Aveiro. "Ao pé deste tipo sinto-me um nabo." Não há quem confirme esta informação. Funcionária de olhos verdes escondidos atrás de uns óculos: "O professor Arsélio é espectacular. É um homem pequeno mas uma grande pessoa." Ana Santos, aluna do 10.º B: "É diferente de todos os professores que já tive. Consegue tornar a Matemática mais simples e explica que ela está em tudo o que fazemos." Maria da Luz, professora de Matemática: "Não desiste enquanto não faz os alunos perceber o que ele está a explicar." Alcino Carvalho, presidente do conselho executivo: "Não se esgota na faceta de professor."
E agora, professor Arsélio? "Eu sou basicamente um produto da educação. Sou filho de camponeses de Santo André, Vagos, fui criado por uma irmã, quis ser padre mas a minha família não deixou, tentei ser marinheiro porque achava que era a melhor maneira de ser poeta." Não sabe se foi por acaso que foi parar a um curso de Matemática Pura. "Não era bom nem mau aluno, mas não houve nenhuma paixão assolapada."
Com verdadeira paixão fala da sua intervenção cívica. Foi dirigente associativo, envolveu-se na política (é deputado municipal pelo Bloco de Esquerda), tem um blogue (aveiro.blogspot.com/). No campo da educação, foi presidente do conselho executivo da José Estêvão, orientou estágios, dirigiu o Centro de Formação de Escolas de Aveiro, foi co-autor dos programas da disciplina, fundou o Sindicato dos Professores do Norte.
Na sala de aula - "a parte mais difícil, a relação directa com os alunos, mas também a que mais me realiza" - o que mais lhe interessa é "não perder nenhum aluno". "Quando perco um é uma desgraça completa", diz. E o segredo, se é que é segredo, é "arranjar estratégias que possam ir ao encontro das necessidades de cada um".
Defende que a melhor forma de potenciar o sucesso numa disciplina como a Matemática é permitir que os alunos tenham o mesmo professor ao longo de um ciclo de estudos - "eu tenho de ter persistência, respiração e tempo". Não dá "nada em papel aos alunos, para eles se habituarem a tirar notas", constrói com as próprias mãos sólidos geométricos para mostrar aos estudantes, maneja com destreza o quadro interactivo - "uma óptima ferramenta". "Sou um professor clássico que foi incorporando tudo o que há de moderno."
Mas não é um professor modelo. "Ninguém deve imitar-me. Meti muita água. Mas faço o que gosto e melhor do que isso não há no mercado."
Sandra Silva Costa
In PÚBLICO de hoje