quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Um artigo de D. António Marcelino

VALORES REPUBLICANOS E COLABORAÇÃO NO BEM DE TODOS

Políticos e intelectuais laicos referem-se frequentemente aos valores republicanos para justificar juízos, atitudes e acções, marcados pelo laicismo agnóstico ou na linha de fidelidade a objectivos sociais e políticos de associações laicas, antigas e modernas.
Se por “valor”, seja ele republicano ou monárquico, se continua a entender aquilo que vale sempre e para todos, sem excepção, ainda bem, tanto mais que a sobreposição pública de interesses pessoais e de grupos, vai tornando tudo relativo e a tudo faz perder a consistência de objectivo e de universal. Chega-se à conclusão de que já nada vale, a não ser o que interessa a cada um. Esta erosão atinge também os valores morais e éticos que determinam o viver em sociedade e os comportamentos necessários para uma vivência mútua, serena e construtiva, quem quer que seja que os propõe ou defende.
Normalmente quando se fala de valores republicanos dá-se como matriz a Revolução Francesa, com a proclamação da trilogia que lhe está historicamente associada: igualdade, liberdade fraternidade, não se esquecendo o valor da tolerância.
Os revolucionários não foram inovadores. Viviam na Europa, no seio de uma cultura com raízes cristãs e judaicas e os valores propostos eram património desta cultura, embora as contingências históricas por vezes os ocultassem onde eles deviam ser testemunhados com maior clareza e eloquência. As tensões provocadas pela Revolução, com o ódio programado contra a Igreja, bem como as desconfianças e atitudes negativas desta em relação ao que se proclamou como se fosse novo e sem paternidade e apenas fruto da ideologia reinante, explicam estas tensões e a sua continuação histórica.
Não fora o propósito de apagar a história e fazer dela uma leitura enviesada, e as coisas não tinham tomado o rumo que ainda hoje acoberta, com iguais sentimentos, muita gente por essa Europa fora. A discussão das raízes culturais cristãs da Europa, ainda que não únicas, faz-se a partir de uma leitura liberta e realista da história e nunca terá valor sério quando feita pela pré determinada direcção que se pretendeu impor-lhe. O redactor da proposta de uma constituição europeia, um francês de renome que vai ser aí recebido e homenageado por um bem concebido aparato ideológico, pensa que a Europa moderna se deve encontrar consigo mesma, rejeitando as suas raízes cristãs e explicar-se a si própria à luz dos valores republicanos que lhe dão forma e consistência.
A constituição deixou de o ser e tenta-se agora um simples tratado, que salve a situação e mantenha o mesmo silêncio em relação ao essencial. Esta pobreza, numa tão apregoada cidadania, pôs de parte a verdade histórica e alimenta-se de conveniências políticas e arranjos diplomáticos; vai mutilando as leis que deixaram de se orientar para o bem comum que é a sua razão de ser, para favorecer interesses diversos; vai deteriorando as relações humanas e sociais, europeias e internacionais, cedendo a pressões e a promessas; já não fala dos direitos humanos na sua globalidade e integralidade, porque as pessoas valem hoje menos que os resultados económicos, sempre prioritários e aglutinadores.
Afinal, da igualdade, da liberdade e da fraternidade, bem como da tolerância, menosprezada a matriz cristã que lhes pode dar consistência e sentido de universalidade, pouco pode restar. Ficará daí apenas a bandeira de apoio para os que, caídos no vazio cultural ou na intolerância odienta, mais não fazem do que destruir, por campanhas sem sentido de cidadania ou por perversão desta, tudo o que vai contra os propósitos de um determinado laicismo agnóstico?
A verdadeira laicidade respeita a autonomia e defende a inter-relação e a comunicação construtiva em todos os campos em que as pessoas se situam e sempre a favor destas. Não falta gente sensata que vê que este é o verdadeiro caminho. Dizer que “todos devem ser respeitados” exige o contributo dialogado de todos para que assim seja.
Isso não acontece quando, por falta de respeito às pessoas e ao legítimo pluralismo, se persegue quem sempre as defendeu, deitando mão de mentiras publicadas e de defesa de leis redutoras, impostas sem critérios do melhor bem que se tornam uma afronta dispensável a cidadãos deste país democrático.

António Marcelino

Claques de futebol


QUEM CONTROLA AS CLAQUES DO FUTEBOL?

É público que uma claque de futebol, os “SUPERDRAGÕES”, está a contas com a Justiça. Problemas de contrabando, segundo a comunicação social, estarão na base de algumas averiguações e detenções. A violência também costuma marcar comportamentos menos correctos nesta claque e noutras, aparentemente gozando da complacência das direcções dos clubes que elas apoiam.
Confesso que tenho alguma dificuldade em compreender certas atitudes demasiado agressivas das claques de futebol. Aprendi que o Desporto, em geral, é uma escola de virtudes e que ganhar, empatar e perder fazem parte do jogo, o qual deve ser, no fundo, uma festa e não uma guerra sem regras nem leis.
O que se vê hoje, em muitos campos de futebol, em especial, é que as claques, normalmente, têm como padrão comportamental a violência gratuita e estúpida, obviamente sem qualquer respeito pelos adversários e pela ética desportiva.
Geram nos campos e fora deles um clima ofensivo das boas normas das relações humanas, sendo conhecido que até pacatos cidadãos, quando integrados numa qualquer claque, perdem as estribeiras, ignoram as mais elementares regras da boa educação e ofendem tudo e todos, em nome dos clubes que apoiam cegamente.
Triste é pois o facto de ver que os dirigentes dos nossos clubes ficam indiferentes a estes desmandos, muitas vezes sem qualquer palavra de condenação perante actos que pessoas de bem têm de condenar.
Que fique claro, contudo, que aceito as claques organizadas, mas também acho que deviam ser estabelecidas regras para a sua existência, enquanto grupos de adeptos que se preparam para incitar os seus clubes. E quem não cumprir, que sofra as respectivas consequências.
Afinal, o desporto não é para sermos mais felizes?

FM

Na Linha Da Utopia


DIA MUNDIAL DOS ANIMAIS

1. Os dias assinalados existem quando para “todos os dias” importa uma renovada tomada de consciência de determinada causa. 4 de Outubro é dia de São Francisco (1881-1226) e, nessa linha de uma unidade de respeitabilidade biouniversal, com “todas as criaturas”, como Francisco gostava de dizer; assim, 4 de Outubro é também o Dia Mundial dos Animais.
2. Que seria das nossas cidades sem uma atenção constante a esta dimensão da protecção dos animais? Será que só damos o devido reconhecimento (queixoso!) e consequente apoio na hora do acidente? Em São Paulo do Brasil, hoje, constata-se o drama de mais de 200 mil cachorros abandonados na cidade. Mas não é só lá longe que o drama existe.
3. No último verão, em Portugal, o abandono de animais atingiu todos os recordes. Por trás desta realidade, mesmo para além da crise económica, continua a persistir um défice de formação cívica que abranja a totalidade das dimensões e das relações das pessoas com a natureza e com as coisas. Ou então, que dizer de quem despeja o cão ou gato para a rua? E ainda, afinal, de quem é a rua pública?!
4. É dramática, e no fundo reflexo de como se sente a vida, a “coisificação” a ponto de que quando apetece (tudo bem!) queremos um cão ou um gato, já quando não apetece (ou custa algo) deita-se fora. É isto mesmo que acontece, e numa mentalidade tal em que a rua comum, em muitos destes gestos (e em mais um verão passado), é esse balde de lixo comum. Que o digam as heróicas pessoas que, contra ventos e marés, e ainda em Portugal sem a devida “protecção”, correm mundos e fundos nesta causa.
5. Ainda: à mudança de mentalidade não caberá a ideia de que é preciso esperar pelo cumprimento dos Direitos Humanos para depois, então, avançarmos pelos Direitos dos Animais (da Europa). Quando assim se pensa, “adiadamente”, nem uma coisa nem outra (sendo pressuposta a hierarquia de verdades). Há hoje uma reconhecida (na teoria) transversalidade que nos diz que todas as causas são iceberg da causa essencial: a ética global dos seres humanos.
6. Neste esforço colectivo, as entidades (sociais, políticas e educativas) só podem agradecer e corresponder eficazmente a quem dá o seu tempo de vida a cuidar de uma problemática de todos: a protecção e qualidade de Vida Animal. Antes que seja mais tarde, porque já o é!

Alexandre Cruz

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Relações com Deus


NÃO ACHO BEM NEGOCIAR COM DEUS

“Rezo todos os dias, mas nunca fiz promessas, nem farei, porque Deus não é subornável”

Nicolau Breyner,

In “Tabu”,
revista do semanário “SOL”
:
Nicolau Breyner tem razão. Há muita gente que olha para Deus como se olha para um negociante. Se me deres saúde, vou à missa ao domingo; se eu sarar, farei mais caridade; se me sair o Euromilhões, darei uma boas esmolas às instituições de solidariedade social; se… se… se…
Pois é verdade. Este relacionamento, ou negócio, com Deus dá mostras de que há gente que ainda não descobriu o Deus-Pai que não tem nada de negociante, isto é, não tem nenhuma apetência, julgo eu, para agir em função do que possa receber em troca.
A oração-negócio está muito enraizada entre os crentes, que atiram para plano secundário a oração-adoração, a oração-agradecimento e a oração-petição, esta última sem o triste espírito de promessa de dar qualquer coisa, em troca do que se deseja receber da bondade, que é o próprio Deus. Não vejo mal nenhum em pedir seja o que for a Deus. Mas, de facto, não acho bem negociar com um Pai que tudo nos pode dar, em função do que necessitamos. Se os pais terrenos dão aos filhos o que lhes faz falta, sem que nada lhes seja pedido, muito mais dará Deus-Pai a todos os seus filhos. Até, porventura, àqueles que nem para Ele olham.

FM

Figuras para todos os tempos


SANTA JOANA
CONTINUA A SUSCITAR INTERESSE

O dia-a-dia traz-me sempre curiosidades. De quando em vez, sinto que há figuras históricas que continuam a suscitar interesse e a provocar estudos. Vejo isso, por exemplo, em estudantes que, na elaboração de teses, optam por personalidades que fazem parte da História Pátria ou mesmo local. Essa opção tem a ver, disso estou convencido, pelo exemplo de vida e pela capacidade de intervenção política, cívica, espiritual ou artística dos escolhidos.
Com alguma frequência, sou questionado, por estudiosos ou académicos, sobre pessoas, muito conhecidas, umas, e menos conhecidas, outras, que tiveram como origem terras aveirenses. De algumas delas nunca tinha ouvido falar. E para ajudar os que me procuram, lá tenho eu que telefonar a quem possa dar uma ajuda. Acabo, então, por ficar a saber um pouco mais de quem fez parte dos alicerces das nossas terras e das nossas gentes.
Santa Joana, por razões óbvias, tem lugar de destaque nestas buscas históricas. Mas há muitos outros que, desconhecidos para muitos, até têm túmulos e monumentos em templos e praças das nossas vilas e cidades.
Ainda bem que as nossas universidades vão despertando nos jovens estes gostos pelo nosso passado comum.

F.M.

Na Linha Da Utopia




O ESTADO DO MUNDO

1. Com este título temático “O Estado do Mundo” a Fundação Calouste Gulbenkian levou a efeito um intenso programa internacional e multidisciplinar em Fórum Cultural que percorreu as comemorações dos 50 anos (www.gulbenkian.pt/estadodomundo). Neste mesmo contexto, como encerramento deste ano comemorativo, a Fundação apresenta a Exposição “Um Atlas de Acontecimentos”, uma mostra com a presença de 28 artistas provenientes de variados países e de diversas regiões culturais.
2. A estatura que caracteriza a FCG, na actividade cultural quotidiana, ao longo da viagem cinquentenária, e no levantar (de forma simples) das grandes questões fundamentais do nosso tempo [da política às re(li)giões] é meritória e reconhecida. A temática promovida que percorreu o ano desperta em nós a urgência de que é o mundo que nos preocupa, que o global toca (mais que nunca) o local e por isso há-de ser bem compreendido para nos situarmos neste tempo novo, integrando os seus dinamismos e lendo com espírito crítico as suas ambiguidades.
3. O Estado do Mundo? Sim, e nesta questão hoje poderemos colocar o estado da cidade, da freguesia, da associação, da comunidade, da política, da pessoa, da vida, da dignidade humana. A transversalidade das reflexões hoje tornam-se uma obrigação, e, é um facto, os localismos fechados acabam por asfixiar; todavia, também a abertura a tudo o que vem de novo, ilusória, pode deitar a perder identidades saudáveis, patrimónios, valores culturais. Vivemos, hoje, na fronteira do próprio tempo. Talvez a distracção nos torne desatentos ao que urge debater.
4. Globalização nem deverá significar sedução nem rejeição. Ergue-se nesta novíssima fase histórica global uma premente necessidade, sem absolutismos particularistas, de pensar criticamente a história que todos os dias construímos. Como que sem nos apercebermos, muita da história está a “ser” mais ausência que presença, mais distância que sentido (afecto) de Humanidade, mais virtual que real. Desafios inadiáveis estarão aí, onde teremos de reler os grandes “diálogos” da história humana e neles reaprender a reintegrar, acolher a diferença, aquecer a relação e o afecto. Por contraditório que pareça, nunca se falou tanto de certas matérias fundamentais, mas as mesmas para as quais não temos tempo nem alcance, nem modo. Teremos de repensar (quase) as relações de tudo. Sem dramas, sem “coisas” tecnológicas, como pessoas humanas. Os impulsos das globalizações são assim!

Alexandre Cruz

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Um artigo de António Rego


ESTRANHOS MONGES

Mesmo os que não sabem onde fica a Birmânia ou Rangum, se questionam sobre o batalhão de monges fora dos seus mosteiros a serem o alvo principal duma telhuda junta militar que quer correr um país a ferro e a fogo.
Temos de admitir que a esta distância, que não é pouca, não é fácil entender os mecanismos dos jogos militares, manifestantes, agrupamentos jovens e monges, sob o olhar prepotente e assustado de ditadores que tudo mandam mas que andam com medo de tudo perder.
Mas - pergunta-se de novo - no meio de tudo isto, que fazem os monges budistas? Primeiro, não há um budismo apenas, mesmo na Birmânia. Há uma concepção individualista que privilegia a passagem para o nirvana fazendo dos obstáculos ondas de transição. E há uma escola mais empenhada na justiça e na liberdade – lembre-se a corrente Dalai Lama e do seu empenhamento político pela independência do Tibete.
Há um terceiro elemento: uma legitima-ção com a aproximação popular, que faz do budismo um companheiro do povo nas suas expressões espirituais e nos seus empenhamentos comunitários.
A esta distância geográfica, cultural e religiosa, pouco entendemos das notícias que nos chegam dum país humilhado por uma ditadura militar em confronto com uma escola de espiritualidade que nem tem referência a Deus como a generalidade das religiões que conhecemos. No seu aparente distanciamento da realidade para maior libertação interior em relação aos mecanismos do poder, do dinheiro, do consumismo hedonista, os monges da Birmânia vivem nos seus mosteiros com as esmolas do povo, são uma percentagem significativa da população (praticamente não há família que não tenha um filho num mosteiro). Vieram para a rua na hora de defender a liberdade e os direitos dos mais indefesos. Puseram-se na linha da frente de contestação aos militares sem a mais pequena ambição de poder. Com a sua perspectiva de reencarnação não desprezam a vida terrena na esperança do que viverão no futuro. Dir-se-ia que há muitos aspectos coincidentes com um cristianismo encarnado, activo, interveniente, que tanto apela à perfeição pessoal, como à intervenção social na implantação da justiça e no respeito por todos e cada um.
Estamos realmente muito distantes. Não nos revemos nas concepções dos quatrocentos mil monges que povoam os mosteiros da Birmânia. Mas sentimo-nos irmanados em muitos valores humanos que defendem. E não podemos deixar de aprender a forma como ligam contemplação e acção, meditação e compromisso, espiritualidade e empenhamento social. Ou talvez estejamos menos distantes do que nos parece.


António Rego

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