VALORES REPUBLICANOS E COLABORAÇÃO NO BEM DE TODOS
Políticos e intelectuais laicos referem-se frequentemente aos valores republicanos para justificar juízos, atitudes e acções, marcados pelo laicismo agnóstico ou na linha de fidelidade a objectivos sociais e políticos de associações laicas, antigas e modernas.
Se por “valor”, seja ele republicano ou monárquico, se continua a entender aquilo que vale sempre e para todos, sem excepção, ainda bem, tanto mais que a sobreposição pública de interesses pessoais e de grupos, vai tornando tudo relativo e a tudo faz perder a consistência de objectivo e de universal. Chega-se à conclusão de que já nada vale, a não ser o que interessa a cada um. Esta erosão atinge também os valores morais e éticos que determinam o viver em sociedade e os comportamentos necessários para uma vivência mútua, serena e construtiva, quem quer que seja que os propõe ou defende.
Normalmente quando se fala de valores republicanos dá-se como matriz a Revolução Francesa, com a proclamação da trilogia que lhe está historicamente associada: igualdade, liberdade fraternidade, não se esquecendo o valor da tolerância.
Os revolucionários não foram inovadores. Viviam na Europa, no seio de uma cultura com raízes cristãs e judaicas e os valores propostos eram património desta cultura, embora as contingências históricas por vezes os ocultassem onde eles deviam ser testemunhados com maior clareza e eloquência. As tensões provocadas pela Revolução, com o ódio programado contra a Igreja, bem como as desconfianças e atitudes negativas desta em relação ao que se proclamou como se fosse novo e sem paternidade e apenas fruto da ideologia reinante, explicam estas tensões e a sua continuação histórica.
Não fora o propósito de apagar a história e fazer dela uma leitura enviesada, e as coisas não tinham tomado o rumo que ainda hoje acoberta, com iguais sentimentos, muita gente por essa Europa fora. A discussão das raízes culturais cristãs da Europa, ainda que não únicas, faz-se a partir de uma leitura liberta e realista da história e nunca terá valor sério quando feita pela pré determinada direcção que se pretendeu impor-lhe. O redactor da proposta de uma constituição europeia, um francês de renome que vai ser aí recebido e homenageado por um bem concebido aparato ideológico, pensa que a Europa moderna se deve encontrar consigo mesma, rejeitando as suas raízes cristãs e explicar-se a si própria à luz dos valores republicanos que lhe dão forma e consistência.
A constituição deixou de o ser e tenta-se agora um simples tratado, que salve a situação e mantenha o mesmo silêncio em relação ao essencial. Esta pobreza, numa tão apregoada cidadania, pôs de parte a verdade histórica e alimenta-se de conveniências políticas e arranjos diplomáticos; vai mutilando as leis que deixaram de se orientar para o bem comum que é a sua razão de ser, para favorecer interesses diversos; vai deteriorando as relações humanas e sociais, europeias e internacionais, cedendo a pressões e a promessas; já não fala dos direitos humanos na sua globalidade e integralidade, porque as pessoas valem hoje menos que os resultados económicos, sempre prioritários e aglutinadores.
Afinal, da igualdade, da liberdade e da fraternidade, bem como da tolerância, menosprezada a matriz cristã que lhes pode dar consistência e sentido de universalidade, pouco pode restar. Ficará daí apenas a bandeira de apoio para os que, caídos no vazio cultural ou na intolerância odienta, mais não fazem do que destruir, por campanhas sem sentido de cidadania ou por perversão desta, tudo o que vai contra os propósitos de um determinado laicismo agnóstico?
A verdadeira laicidade respeita a autonomia e defende a inter-relação e a comunicação construtiva em todos os campos em que as pessoas se situam e sempre a favor destas. Não falta gente sensata que vê que este é o verdadeiro caminho. Dizer que “todos devem ser respeitados” exige o contributo dialogado de todos para que assim seja.
Isso não acontece quando, por falta de respeito às pessoas e ao legítimo pluralismo, se persegue quem sempre as defendeu, deitando mão de mentiras publicadas e de defesa de leis redutoras, impostas sem critérios do melhor bem que se tornam uma afronta dispensável a cidadãos deste país democrático.
António Marcelino