terça-feira, 26 de junho de 2007

Em busca das raízes

Arquivo Distrital de Aveiro
Escrevi, há dias, um pequeno texto sobre uma visita que fiz ao Arquivo Distrital de Aveiro, para acompanhar um amigo que buscava as suas raízes. O Arquivo guarda, com cuidado e rigor científico, os registos paroquiais (baptizados, casamentos e óbitos), nacionalizados após a implantação da República, bem como muitos outros documentos de âmbito diverso. Quem gostar de saber algo sobre isso pode muito bem dirigir-se àquela instituição para proceder às buscas necessárias. E há muita gente que faz isso. A propósito, certamente, do que escrevi, tenho recebido alguns e.mails, sobretudo de netos ou bisnetos de portugueses da região que emigraram para o Brasil no século XIX e princípios do século XX. Lá lhes vou dizendo o que posso dizer, indicando o Arquivo como lugar certo para as suas pesquisas. Oxalá conseguiam o que pretendem. Bonito é saber que há muita gente por esse mundo fora desejosa de conhecer as suas raízes, nunca esquecendo os seus antepassados, por mais perdidos no tempo que eles estejam para muitos. Não estão, porém, esquecidos por quem preserva o sabor da ancestralidade. F.M.

Uma pedrada por semana

MÃES DE MUITOS FILHOS
Conheci em França uma instituição chamada “Missão Possível”. Propõe-se prevenir a delinquência juvenil através da ajuda escolar. É evidente que esta ajuda pressupõe a criação de um clima de acolhimento e de amor, de respeito por si e pelos outros, de disciplina e hábitos de trabalho, de cuidado e de alegria em ter ordem na vida e êxito nos projectos pessoais.
Pais, que já desistiram de ser educadores, pedem a ajuda da instituição; o estado, porque sabe que nunca será bom educador, recorre à mesma; a sociedade, se acredita que ainda é possível salvar a gente nova quando esta perdeu o rumo, apoia a “Missão Possível”. Mas também batem à sua porta professores, polícias, gente da justiça. A fundadora foi uma magistrada que tocou na miséria e na lama de muita gente nova, acreditou e não cruzou os braços.
Lá e cá, um problema preocupante, que não se pode dramatizar nem ignorar. Uma telenovela portuguesa de grande audiência, mostra a dedicação e o carinho, sem horas nem condições, da Irmã Benedita, mãe única, por opção, de filhos e filhas de muitos pais e de diversas idades.
Não faltam, entre nós, mães e pais assim, que não geraram filhos, mas o são de muitos e de modo permanente, vivendo uma realidade, não uma telenovela. Na Obra da Rua, no Frei Gil, na Obra de Nossa Senhora das Candeias, e por aí adiante… Às vezes, mais penalizados, que apoiados. Estão nisto, porque amam, acreditam e sabem que dão a vida por uma missão possível, mesmo se a sociedade os ignora e o estado os penaliza.
A. Marcelino
:
Fonte: Correio do Vouga

domingo, 24 de junho de 2007

Aveiro-Bairrada, no PÚBLICO




AVEIRO E LEITÃO DA BAIRRADA
NO GUIA DO VIAJANTE



O fascículo do Guia do Viajante, que o PÚBLICO está a publicar todos os dias, fala hoje de Aveiro e Bairrada. São textos elucidativos dos jornalistas Maria José Santana, que há anos trabalha na capital do Distrito, e de David Lopes Ramos, pardilhoense ou parente de gente de Pardilhó, especialista em gastronomia, nela incluindo os vinhos.
Maria José Santana recorda, no seu escrito, que Aveiro se desenvolve ao longo dos canais da ria, “os mesmos que moldaram a cidade”. Diz que as paisagens da cidade e ria de outrora eram feitas de “centenas de montes brancos de sal”, de que restam poucos. No entanto, a Marinha da Troncalhada – que foi transformada em ecomuseu – preserva “as memórias dos ancestrais métodos de salinicultura da região”.
A jornalista aveirense fala das praias do concelho de Ílhavo, Barra e Costa Nova, e da sua fama, mas não esquece, e bem, a única praia de Aveiro, em São Jacinto, “praia tranquila e pitoresca”. Lembra a Arte da Xávega, na praia da Vagueira, do concelho de Vagos, e sugere, como pratos que podem e devem ser apreciados, peixes grelhados e caldeiradas diversas, adiantando, como bons restaurantes para os degustarmos, o Clube de Vela da Costa Nova e a Praia do Tubarão, ambos na Costa Nova.
David Lopes Ramos debruça-se sobre a gastronomia da Bairrada, onde sobressai, como já tantas vezes tem dito, o famoso Leitão à Bairrada. Embora não seja um exclusivo de Portugal, como muito oportunamente sublinha, reconhece, contudo, que a Bairrada é mesmo o Reino do Leitão.
Sendo certo que se assam leitões um pouco por todo o País, a verdade verdadinha é que o assado à moda da Bairrada, num forno aquecido a lenha, “de pele loura um pouco escura e estaladiça”, é “um prato sumptuoso, um dos nossos melhores assados de forno”.
Para os mais entendidos ou para os que ousarem assar um bacorinho infante em casa, David Lopes Ramos dá umas dicas e até mostra, com boas fotos, como se deve fazer. Para o apreciar, como tem de ser, indica algumas casas, onde o leitão, de facto, tem outro sabor. Casa Vidal, em Almas da Areosa, Aguada de Cima; Restaurante Mugasa, em Fogueira, Sangalhos; Meta dos Leitões, Mealhada; Pedro dos Leitões, Sernadelo, Mealhada; Casa Queirós, Avelãs de Caminho; e A Nova Casa dos Leitões, em Peneireiro, Aguim
.
:
Fotos do Guia do Viajante

Um texto de Rui Osório, no JN

COMUNICAR COM A RAZÃO
E O CORAÇÃO
:
A Igreja é mestra na arte da comunicação. Perita na argumentação racional, sabe, como ninguém, interpretar outros códigos comunicativos. Hoje, o fascínio está mais na aparência do que naquilo que é demonstrável. Os destinatários das mensagens tendem mais a convencer-se pelo imaginário, mitológico e emotivo, por tudo o que é irracional, o grande ingrediente da pós-modernidade. Não se entenda por isso que a razão é inimiga do coração. A própria razão adverte-nos que não é capaz de compreender tudo ou de erigir-se em princípio absoluto. A Igreja nunca falou apenas à razão. Soube utilizar, com sabedoria, outros códigos comunicativos, como o silêncio, os símbolos, os gestos e os ritos. Hoje não seguirá acriticamente os impulsos da irracionalidade, mas também defenderá a razão de absolutizações indevidas. Usará a razão e o sentimento ou, biblicamente, o coração. Espero que os bispos portugueses tenham aprendido mais a arte de comunicar, nas suas jornadas pastorais da última semana, em Fátima.
RO

São João

O pobre que faz cantando,
Do lar, cascata modesta,
Vê nos seus filhos brincando,
Os balõezinhos da festa!
Justino
Vencedor do 79.º concurso
de quadras JN

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 29


LENDA DA AMOREIRA



Caríssima/o:


Durante os anos que passei na Quinta das Lágrimas houve um grupo de colegas que, na altura, me parecia uma “lenda”. Eram de Macau: o António Lopes do Rosário, a Maria Ângela Teresa Fong e a Maria Edith Santos.
Rebusquei no baú e encontrei esta lenda que, além de lhes prestar uma pequena e sentida homenagem (e recordação!), tem para mim um sabor muito especial e me elucida quando afirma: “Foi assim que a menina linda e virtuosa se transformou em bicho da seda”.

«Na dinastia de Shang, muitos anos antes de Cristo, vivia, em terras da velha China, uma formosíssima donzela, muito rica e cheia de virtudes.
Um dia, o pai, que de manhã cedo partira a cavalo, desapareceu misteriosamente.
A virtuosa menina chorou amargamente, vestiu-se de luto carregado e recusou-se a receber fosse quem fosse antes de ver o pai.
Os ladrões da vizinhança diziam não o ter visto, os sacerdotes juraram que ele não tinha morrido, mas passou-se um ano sem saberem notícias dele.
A mãe, torturada pelas saudades e pelo desgosto, prometeu que daria a mão de sua filha a quem lhe descobrisse o marido.
Os mancebos da terra partiram alvoroçados, atravessaram rios e vales, mas foi tudo inútil. Começavam todos a desanimar, quando o cavalo que, naquela malfadada manhã tinha levado o seu dono, voltando sozinho, saiu a galopar pelos campos, trazendo o velho senhor há tanto tempo perdido.
A satisfação foi geral, fizeram festas e mais festas, apenas o pobre cavalo foi deixado triste e só na cavalariça. Deixou de comer e o seu ar de sofrimento fazia chorar as pedras.
Intrigado com tal atitude, o velho quis saber o que se passava e, quando a mulher lhe contou a promessa que tinha feito, mandou que se dobrasse a ração ao bicho, pois mais nada podia fazer.
As promessas de casamento cumpriam-se , mas não quando se trata de animais.
O certo é que o cavalo nunca mais tornou a comer e, quando a menina passava perto, ficava fora de si manifestando grande nervosismo. A tal ponto chegaram as coisas que resolveram matá-lo com uma flecha.
Depois de morto e esfolado, puseram a pele a secar, pendurada numa árvore, mas ao passar por lá a formosa donzela sentiu-se envolvida pelos restos do cavalo amoroso e levada pelos ares.
Dias depois apareceu a pele estendida noutra árvore, uma árvore estranha, completamente desconhecida, de cujas folhas se alimentava uma lagarta.
Foi assim que a menina linda e virtuosa se transformou em bicho da seda.
Os dias passaram e um dia apareceu aos pais, já muito velhinhos, montada no tal cavalo, e disse-lhes que era muito feliz e habitava um outro mundo.»


[Macau-Terra de Lendas, de Hermengarda Marques Pinto, pp. 28 a 30, Colecção Educativa, Série E, nº 1, XXVII, 1955]

:
E como esquecer meu Pai que, sendo nós criancinhas, trouxe para casa uns “bichos maravilhosos e a amoreira”?
Também não me ficará mal dar um abraço a quem durante anos e anos criou milhões de bichos e manteve essa arte de cultivar a vida numa caixa de cartão. De facto, só um Guerreiro cometeria essa ousadia!

Manuel

Um artigo de Anselmo Borges, no DN

MONOS E HUMANOS:
ORIGEM E ORIGINALIDADES
:
O que é o Homem? Ao longo dos séculos, foram-se sucedendo, numa lista quase interminável, as tentativas de resposta: animal que fala, animal político (Aristóteles); animal racional (os estóicos e a Escolástica); realidade sagrada (Séneca); um ser que pensa (Descartes); uma cana pensante (Pascal); um ser que trabalha (Marx); um animal capaz de prometer (Nietzsche); um ser que cria (Bergson); um animal que ri, um animal que chora, um animal que sepulta os mortos... Saído da gigantesca aventura cósmica com 15 mil milhões de anos, o Homem tem, segundo Edgar Morin, "a singularidade de ser cerebralmente sapiens- -demens" (sapiente-demente), ter, portanto, com ele "ao mesmo tempo a racionalidade, o delírio, a hybris (a desmesura), a destrutividade". Recentemente, o filósofo André Comte-Sponville apresentou a sua "definição", que julga suficiente: "É um ser humano qualquer ser nascido de dois seres humanos." Mas será mesmo suficiente? O que dizer em relação aos primeiros homens, que, na História da Evolução, não nasceram de outros humanos? E se amanhã se der a clonagem e a partenogénese? Os grandes espíritos - Diderot, por exemplo - deram-se conta de que o que somos não pode ser encerrado numa definição. O Homem é o ser que leva consigo a questão do ser e do seu ser e que originária e constitutivamente pergunta: o que é o Homem? O que, antes de mais, une a Humanidade inteira é precisamente esta pergunta: o que é ser Homem? Se o chimpanzé, por exemplo, também sente, recorda, procura, espera, joga, comunica, aprende e inventa, o que é que nos distingue? Afinal, há muito de idêntico em nós e no chimpanzé, "no mono e no Papa", diz ironicamente o filósofo confessadamente ateu Michel Onfray. O professor de filosofia e o chimpanzé têm necessidades naturais comuns: comer, beber, dormir. A etologia mostra que há comportamentos naturais comuns aos animais e aos humanos. Veja-se, por exemplo, as relações de violência e de agressão e compare-se inclusivamente os rituais de cortejamento sexual. Mas é interessante constatar que já na resposta às necessidades naturais há uma diferença: os homens inventaram a cozinha e a gastronomia e também o erotismo. No entanto, escreve M. Onfray, "o homem e o animal separam-se radicalmente quando se trata de necessidades espirituais, as únicas que são próprias dos homens e das quais não se encontra nenhum vestígio - mínimo que seja - nos animais." Há nos humanos uma série de actividades especificamente intelectuais, que os distinguem radicalmente dos monos: nestes, não encontramos filosofia nem religião nem técnica nem arte. A tentativa de compreendê-lo no quadro de um materialismo mecanicista ou do biologismo não dá conta do Homem. De facto, o animal é conduzido pelo instinto. Por isso, esfomeado, não se conterá perante a comida apropriada que lhe apareça. Face à fêmea no período do cio, não resistirá. O Homem, pelo contrário, é capaz de transcender a dinâmica biológica. Por motivos de ascese ou religiosos ou até pura e simplesmente para mostrar a si próprio que se não deixa arrastar pelo impulso, é capaz de conter-se, resistir, dizer não. Foi neste sentido que Max Scheler, um dos fundadores da Antropologia Filosófica, escreveu que o Homem é "o asceta da vida", o único animal capaz de dizer não aos impulsos instintivos. Cá está: esta é a base biológica da conduta moral, uma característica essencialmente específica humana. Uma vez que o Homem é capaz de ponderar, renunciar, abster--se, optar, dizer sim, dizer não aos impulsos, é livre e, por conseguinte, animal moral. O Homem é corpo, mas um corpo que fala e que diz "eu". Porque fala, é capaz de debater questões, de defender pontos de vista, distinguir o bem e o mal, tomar posições sobre valores morais, políticos, religiosos, estéticos, filosóficos. Então, o enigma é este: provimos da natureza, mas contrapomo-nos a ela, somos simultaneamente da natureza, na natureza e fora dela. Monos e humanos têm a mesma origem, mas os humanos têm originalidades únicas e irredutíveis.