terça-feira, 23 de maio de 2017

Cataplana à moda do Tiago Lourenço



Cataplana de Bacalhau, Amêijoa e Camarão 

Ingredientes (para 4 pessoas):

4 postas de bacalhau (lombo)
250 g de amêijoa da Ria de Aveiro
8 camarões
1 pimento verde
1 pimento vermelho
6 batatas médias
1 cebola grande
2 dentes de alho
Flor de sal q.b.
Azeite q.b.
Vinagre q.b.
Açafrão q.b.
Salsa fresca q.b.

Preparação:

Comece por colocar as amêijoas de molho em água e sal para abrir e retirar a areia (cerca de 30 minutos).
Coza o camarão em água e sal (coloque depois de a água levantar fervura, durante 3/4 minutos) e reserve.
Descasque as cebolas e corte-as em rodelas, assim como as batatas que deverá cortar em rodelas grossas.
Corte também os pimentos, descasque os dentes de alho e pique-os.
Corte os lombos do bacalhau em cubos.
Na cataplana disponha uma camada de cebola seguida dos pimentos. Acrescente as batatas e novamente a cebola, os pimentos, a salsa e o açafrão.
Tempere com flor de sal.
Coloque o bacalhau e as amêijoas, regue com um generoso fio de azeite e leve ao lume brando a cozinhar cerca de 30 minutos.
De vez em quando agite cuidadosamente a cataplana (movimentos circulares, nunca destapando).
Acrescente o camarão e a “moira” (alho picado com vinagre). Cerca de 1 minuto depois disponha num prato e sirva. 

Bom proveito

Receita publicada na agenda "Viver em..." da CMI

Notas:

1.Receita apresentada por Tiago Lourenço, vencedor do Concurso Gastronómico “O Meu Bacalhau é melhor do que o Teu”, no âmbito do Festival do Bacalhau 2016;

2. Quando soube que o criador deste prato e vencedor do Concurso Gastronómico do Festival do Bacalhau 2016 foi Tiago Lourenço fiquei agradavelmente surpreendido, porque conheço o Tiago desde menino mas não sabia do seu prazer pela Gastronomia. Eu já sabia, contudo,  que em casa dos seus pais, meus bons amigos, havia um gosto natural pelas artes, cultivado no dia a dia: Música, Decorações, Antiguidades, um museu recriado ao estilo dos nossos avós e outras artes que brotam espontaneamente. Longe estava de pensar, porém, que o Tiago tivesse, pelo que vi deste concurso, o tal dedo raro e palato afinado para criar pratos,  partindo de ingredientes que sempre andaram pelas mesas dos ílhavos e gafanhões.
Os meus parabéns, com a certeza de que optarei pelo teu prato no próximo Festival do Bacalhau, se alguma instituição tiver a coragem de seguir os teus conselhos, meu caro Tiago. Um abraço também com votos de que não esmoreças nas artes culinárias das nossas tradições, lutando contra a cozinha do descartável que nada tem a ver com os nossos hábitos alimentares. 

Fernando Martins 

Diáconos Permanentes de Aveiro celebram aniversário de ordenação

Luís Pelicano, Fernando Martins, Augusto Semedo, D. António Moiteiro, Fernando Reis, Joaquim Simões e Afonso Henrique 

Os primeiros diáconos permanentes (DP) da Diocese de Aveiro celebraram ontem, 22 de maio, o 29.º aniversário da ordenação, num encontro-convívio, depois da Eucaristia presidida pelo nosso Bispo, D. António Moiteiro, na igreja matriz de Travassô. Marcaram presença os DP Augusto Semedo, Afonso Henrique, Fernando Reis, Luís Pelicano, Joaquim Simões e Fernando Martins. As esposas dos DP também participaram, exceto a de Fernando Martins, por razões de tratamentos e consulta médica. Associaram-se ainda o pároco de Travassô, Padre Júlio Grangeia, e o Padre Hélder Ruivo, pároco de Requeixo. 

A igreja, quando chegámos, estava asseada. Organista com grupo coral pronto para animar a Eucaristia e membros da comunidade local na assembleia. O sinal evidente do cuidado posto na receção estava dado. O Padre Júlio, um pioneiro a nível eclesial da utilização das novas tecnologias de informação e comunicação, não brinca em serviço. E a missa deste dia, como as demais da sua comunidade, pôde ser seguida em todos os quadrantes da terra. Sinais dos tempos que muitos teimam em postergar teimosamente. E para melhor se enquadrar no corpo diaconal, que lhe tem «passado ao lado», o pároco de Travassô referiu que até fez pesquisas que, de alguma forma, o elucidaram. 
Gostámos de sentir esta espontaneidade e franqueza do Padre Júlio. Obrigado pelo acolhimento, simpatia e visão de futuro, capaz de projetar o sentir da Igreja no mundo dos homens e mulheres dos nossos dias e para os dias dos nossos vindouros. E apreciámos a sua franqueza quando nos disse, no final do almoço, que este nosso encontro foi para si uma lição, que o vai levar a estar mais atento à realidade que é o corpo diaconal da nossa diocese. «Apreciei a vossa fraternidade, a vossa espontaneidade e amizade, uma realidade que me tem escapado», disse. 

Ponto alto do encontro-convívio foi, indubitavelmente, a Eucaristia, centro indelével do nosso viver cristão e ponto de partida para a ação consequente. O nosso Bispo apresentou os DP do primeiro grupo da Diocese de Aveiro, um a um, dando nota do que fazem no seu dia a dia. Uns mais ativos e outros no silêncio e na oração, como tem sido a vida do nosso bom amigo Augusto Semedo, em fase de recuperação de um AVC que sofreu. Perfeitamente lúcido, apenas limitado, em alguns aspetos, na locomoção. Esteve presente, acompanhado da esposa e filha, mas também, garantidamente, nas preces de todos os colegas e amigos.

D. António evocou os DP que já faleceram, o Carlos Merendeiro, o Daniel Rodrigues e o João do Casal, presentes nas nossas memórias por tantas vivências partilhadas connosco, mas ainda, de forma especial, nesta celebração eucarística. Um filho do Carlos, o Jorge, fez questão de se associar a nós em representação de seu pai, gesto que apreciámos. 
D. António Moiteiro, à homilia, ofereceu-nos uma reflexão em torno do encontro de Paulo com Lídia, registado nos Atos dos Apóstolos, a tal negociante de púrpura da cidade de Tiatira [cidade da atual Turquia] que aceitou Jesus Cristo. Foi batizada juntamente com a família e convidou o Apóstolo para ficar em sua casa. E D. António partiu desse sentido de proximidade de Paulo, que procurou estar com as pessoas concretas no local em que se encontravam, para concluir que «a Igreja tem de aprender» e aplicar este método, levando à prática os conselhos do Papa Francisco que nos alertam para a urgência de sermos «uma Igreja em saída». Importa — afirmou o nosso bispo — mostrar que «Jesus é o rosto visível de Deus» para nós e para os nossos irmãos, acrescentando que, «quanto mais nós formos de Deus, mais verdadeiramente seremos o rosto de Deus para os nossos irmãos, os homens e mulheres do nosso tempo, e sinal para a humanidade». 

Fernando Martins



domingo, 21 de maio de 2017

Precisamos de um outro planeta para viver


«O físico britânico Stephen Hawking defende que temos apenas um século à nossa frente para encontrar um novo planeta onde possamos viver, se quisermos que a espécie humana sobreviva, explicou o cientista no programa da BBC "O mundo de Amanhã", citado pela revista Wired. São vários os factores que nos obrigarão a essa busca se quisermos sobreviver: alterações climáticas, a possibilidade de queda de um asteróide no planeta, epidemias e crescimento da população.»

Li aqui 

Nota: E andamos nós todos atarefados e ocupados com banalidades, quantas vezes, quando devíamos começar a pensar no futuro da humanidade. Eu sei que durante 100 anos nasce e morre muita gente, tal como acontece com as mais extraordinárias e impensáveis tecnologias e ciências, mas mais vale prevenir que remediar. Pelo sim pelo não vamos indo e vendo. 

F.M. 

Abertura a Deus




«A abertura a Deus dá credibilidade amor. Acolher, escutar, compreender, perdoar, eleger e viver inspirado no Evangelho. Não colocar limites à Misericórdia. Haverá sempre momentos difíceis, necessitamos sempre de purificação. No fundo, prestar ainda mais atenção ao ser Pessoa entre tempos e espaços divididos. Solidão e comunhão em todas as relações.»

Pedro José 

Li aqui 

Fátima, que futuro? (2)

Crónica de Frei  Bento Domingues no PÚBLICO


«Só vale a pena falar no futuro de Fátima se aquele santuário contribuir para criar muitas e variadas iniciativas espirituais e culturais, que convençam os peregrinos a dizer: qual é a minha periferia?»

1. É cedo para fazer um balanço da última peregrinação à Cova da Iria. As televisões têm o país colonizado pela cultura omnipresente e omnipotente do futebol. Durante dois dias, sem a esquecer, voltaram-se todas para o Papa, para os Pastorinhos, para Fátima e parecia que nunca mais se calavam, mas ainda tiveram tempo para celebrar o triunfo de Salvador Sobral no Festival da Eurovisão. Graças sejam dadas a todas e todos que elevaram o ego nacional.
Nesta crónica, interessa-me reflectir sobre o futuro de Fátima. Dizem que já dispomos de bases seguras para fazer a história dos acontecimentos de 1917 e o seu desenvolvimento até aos nossos dias. Seja. É indispensável perguntar: em que ponto está a crítica teológica das representações religiosas dessa época, na sua continuidade e nas suas alterações? É verdade que a menoridade da reflexão teológica, no Portugal do séc. XX, não permitia altos voos. O bispo Manuel Almeida Trindade já sublinhou a sua triste ausência no Vaticano II: ausência na preparação, na participação e na aplicação.
Em Fátima, embora à margem do santuário e não só, já existiu um centro importante de Filosofia e Teologia (Studium Sedes Sapientiae), cursos de Verão de Teologia (ISTA) e uma importante livraria, Verdade e Vida, a maior referência a nível do país, para se entrar no espírito e na letra do Vaticano II. No quadro da reforma litúrgica, nasceram aí audaciosas inovações pela iniciativa de frei José Augusto Mourão, O.P.
Todo esse ambiente, com um professorado internacional, permitiu, além do mais, o acolhimento e o diálogo com personalidades da cultura. Jean Guitton, Gabriel Marcel, Stravinsky, Vitorino Nemésio, Miller Guerra, etc., são apenas algumas lembranças do meu tempo de estudante.

2. Como já lembrei nas últimas crónicas, o papa Francisco, antes de vir a Fátima, tinha publicado uma carta apostólica, em forma de motu proprio, pela qual inscreveu os santuários no Pontifício Conselho para a Nova Evangelização. Insisto neste facto para que a sua importância, os seus objectivos e exigências, que lhe são apontados, comecem a ser vividos e praticados em Fátima. É de notar que a perspectiva do Papa é uma aplicação concreta do Evangelho da Alegria, o programa do seu pontificado.
Nos dias 12 e 13, J. Bergoglio deu o exemplo do que pode e deve ser a realização do programa que apontou para a evangelização dos santuários. Com uma arte genial enxertou, em narrativas gastas, a novidade do Evangelho. Como tinha passado um ano inteiro a falar da misericórdia de Deus, não tinha espaço mental e afectivo para continuar a repetir as ameaças da Cova da Iria. Escreveu e disse outra coisa. Na crónica do domingo passado, respiguei o que me pareceu mais acutilante e novo em todas as suas intervenções.
É, sem dúvida, importante escutar e debater esses textos na íntegra, mas não basta! Há uma expressão conhecida: um dedo que aponta o céu e as pessoas olham para o dedo. O que importa é a pergunta: quais foram as representações teológicas, melhor dito, as inovações metafóricas da sua linguagem cristã e as direcções de acção evangelizadora na sua vertente de anúncio do Evangelho e de transformação da sociedade? Igreja de saída para onde? Só para os cristãos ou para “todos os [seus] irmãos no baptismo e em humanidade, de modo especial para os doentes e pessoas com deficiência, os presos e os desempregados, os pobres e os desempregados”?
Dir-se-á que Fátima está feita e que não há mais nada a fazer. Sob certo ponto de vista, seria um desastre que os clérigos e os clericalizados, ignorantes por profissão, tentassem impor os seus conceitos moralistas e canónicos a uma população que vai a Fátima porque sabe onde lhe dói e onde procura esperança. Seria pior a emenda do que o soneto. Deixem Fátima ser um lugar de liberdade pessoal.
Dito isto, nada está feito. Como desenvolver as perspectivas apontadas pelo Papa acerca de Deus, de Cristo, do Espírito Santo, da Igreja e de Maria? Não digo que seja necessário fundar uma nova faculdade de teologia em Fátima, mas é indispensável que o santuário promova seminários, colóquios, debates, publicações que desenvolvam uma nova teologia em plena liberdade. 
A preparação de peregrinações precisa de uma teologia narrativa dos mistérios do Rosário que não seja apenas a repetição de Pai-Nossos e Ave-Marias, introduções ao sono, quando deviam ser aberturas aos sonhos e aos trabalhos de um mundo novo.
A mariologia não pode continuar como catálogo dos privilégios de uma Senhora, ainda que seja mais brilhante do que o Sol. Alguns passos, sobretudo do ponto de vista bíblico, já foram dados. Fr. Edward Schillebeeckx, O.P., poucos anos antes de morrer, traçou as linhas de evolução da mariologia desde 1954 e as perspectivas que ele tentou abrir para o futuro. É necessário rever toda a tradição dos títulos que foram atribuídos a Maria, Mãe de Deus. O Espírito Santo não pode ser posto de lado.

3. Fátima, no seu conjunto, não é a realização de uma grande ideia de beleza. Alguns remendos, por mais interessantes que sejam, não conseguem superar deficiências de raiz. 
Como diz o documento sobre os santuários, importa a sua valorização cultural e artística, segundo a via pulcritudinis, como modalidade peculiar da evangelização da Igreja. Para limpar o comércio da fealdade religiosa, não seria possível criar uma escola de artes plásticas, de música, de teatro para encontrar novas linguagens da beleza da fé?
Desde o princípio se diz que Fátima está confrontada com os problemas da guerra e da paz. É indispensável rezar para erradicar as raízes, as causas e as consequências dos conflitos. Dado o alcance mundial da mensagem de Fátima, não seria urgente criar, nos seus espaços, uma “Universidade da Paz”, não só ecuménica e inter-religiosa, mas aberta a todos os humanos de boa vontade?
Dir-se-á que estou a pedir demasiado a um lugar que é de acolhimento para rezar, cumprir uma promessa, acender uma vela e cantar um adeus nostálgico a Fátima. O Papa pediu muito mais. Exigiu uma mobilização geral contra a indiferença que nos gela o coração e agrava a miopia do olhar.
Só vale a pena falar no futuro de Fátima se aquele santuário contribuir para criar muitas e variadas iniciativas espirituais e culturais, que convençam os peregrinos a dizer: qual é a minha periferia?

sábado, 20 de maio de 2017

PAPA FRANCISCO — A Revolução Imparável

Um livro oportuno de António Marujo e Joaquim Franco 
Apresentação de D. António Francisco e Mónica Baldaque
Moderação de Jorge Gabriel 


HUGO COELHO — um gafanhão na liderança do Beira-Mar


Hugo Coelho, meu vizinho e amigo, que conheço desde menino, vai ser o novo presidente do velhinho Beira-Mar. Tudo indica que sim, já que há uma lista única candidata aos órgãos sociais.
Não ando muito por dentro do mundo do futebol, mas sei que o Beira-Mar foi, em tempos que já lá vão, um clube que tinha nas Gafanhas muitos sócios e simpatizantes, pelo seu historial desportivo, com várias modalidades. Os tempos são realmente outros e de repente, por artes nem sei de quê, o velhinho Beira-Mar caiu em desgraça. Vai agora, ao que julgo, renascer para gáudio dos seus simpatizantes e torcedores, sob a liderança de um gafanhão, cujos méritos de trabalho e gestão bem conheço.
Tenho cá um palpite que o Hugo vai ter algumas dores de cabeça, sobretudo quando o Beira-Mar tiver de enfrentar o Grupo Desportivo da Gafanha, que antigamente foi e ainda é, sem dúvida, um viveiro de jogadores de futebol e de outras modalidades.
Desejo ao Hugo Coelho as maiores venturas em mais uma tarefa, desta feita em luta pela dignificação de um clube que todos sabemos e queremos continuar a aplaudir.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Os Sintomas do Nosso Mal-Estar Espiritual



Os sintomas do nosso mal-estar espiritual são demasiados familiares. Incluem: a dimensão da corrupção, tanto no setor público como no setor privado, onde cargos e posições de responsabilidade são tratados como oportunidades de enriquecimento pessoal; a corrupção que ocorre no seio do nosso sistema de justiça; a violência nas relações interpessoais e nas famílias, em particular, o vergonhoso recorde de abuso de mulheres e crianças; e a dimensão da evasão fiscal e a recusa em pagar pelos serviços utilizados. 

Nelson Mandela, 
in 'Walk to Freedom'

Li no Citador 

O que eu penso sobre Fátima (4)

Crónica de Anselmo Borges no Diário de Notícias


«Concordo com Henrique Monteiro, no último Expresso: "negar que Fátima tem um apelo especial, é negar a evidência, o que só se consegue com teorias estapafúrdias", como as do negócio e vigarice. Mas digo também: uma vez que há experiências religiosas melhores e outras menos boas, é tarefa da Igreja evangelizar Fátima, purificá-la, também com a transparência nas contas.»

1 Para quem acredita verdadeiramente no Deus dos cristãos, Fátima é uma questão ao mesmo tempo simples e tremendamente exigente.
Quem acredita em Deus sabe que Ele é infinitamente transcendente ao mundo; Ele está, é, para lá do espaço e do tempo, sempre para lá do que se possa tentar pensar ou dizer. "Nunca ninguém viu Deus", diz o Novo Testamento. Por outro lado, se Ele é o Criador, melhor, porque Ele é o Criador, é infinitamente presente ao mundo e a todas as criaturas. Ele criou e cria a partir do nada e por amor tudo quanto é; de tal modo é Força infinita de criar que, se Ele se retirasse do mundo, tudo voltaria ao donde veio: o nada. E o que é que Ele quer senão manifestar-se às criaturas, que Ele ama, com amor infinito? O interesse de Deus não é a sua maior honra e glória, mas a plena realização das criaturas. É, pois, infinitamente transcendente e infinitamente presente, Presença infinitamente transcendente e imanente.
Se é Presença infinita ao mundo e às criaturas e se o que Ele quer é manifestar-se, revelar-se, o problema está tão-só do lado das criaturas. Então, há quem se dá conta dessa Sua manifestação, e quem nem sequer está interessado, de tal modo anda distraído. Uns dão-se conta e outros não se apercebem de nada.
Também é claro que cada um se dá conta sempre segundo os seus esquemas de entendimento, no seu horizonte de compreensão, num determinado contexto histórico, cultural, religioso, no quadro da sua história familiar, pessoal, atendendo ao seu carácter, modo de ser e estar no mundo, às suas expectativas...
E as crianças também se podem aperceber dessa Presença? A resposta é: Porque não? Mas, mais uma vez, como crianças, e dentro dos seus pressupostos histórico--existenciais...
É como no amor. Para dar um exemplo simples: vejo os estudantes que chegam no início do ano à faculdade, e todos se vêem, pois aparecem uns aos outros; depois, com o tempo, constato que um estudante anda de mão dada com uma estudante, os dois têm manifestações especiais de afecto e, se a relação se aprofundar e tornar intensa, pode acontecer que se casem e tenham uma vida e filhos em comum... O que é que ele "viu" nela de especial?, o que é que ela "viu" nele de especial? Tudo começa por uma experiência. Na relação com Deus, sem essa experiência interior, que tem que ver com - é talvez a palavra melhor - dar-se conta da sua Presença infinita, transcendente-imanente, experiência sempre pessoal e única, até pode alguém viver da religião, andar em procissões e outras exterioridades religiosas, e ser ateu.
Não custa admitir que as três crianças em Fátima fizeram uma verdadeira experiência religiosa interior. Evidentemente, como crianças e no contexto das suas vivências, incluindo as vivências religiosas da época; enquanto crianças, é natural que essa experiência tenha assumido uma esquematização feminina com a figura materna de Nossa Senhora e, dentro do contexto histórico, com dimensões de exaltação (luz "mais brilhante do que o Sol") e também de pavor ("o fogo do inferno"). Depois, a partir de um núcleo originário, houve arranjos e rearranjos, segundo a história e novos desenvolvimentos e reinterpretações. Neste sentido, pode-se perguntar porque é que o comunismo aparece condenado, não sucedendo o mesmo com o nazismo. De qualquer modo, Fátima tornou-se um acontecimento de influência mundial.

2 A experiência de Fátima tem elementos de valor permanente: a oração, a conversão, a mudança de vida, na luta pela justiça, pela paz, pela dignidade de todos. Os próprios pastorinhos assumiram-na nas suas consequências, e rezavam e testemunhavam e a sua generosidade chegou ao ponto de dar a pouca comida às ovelhas pela conversão dos pecadores. Não acredito que Deus quisesse isso, mas não se pode deixar de admirar esta generosidade.
O Papa veio e procedeu à sua canonização. No meu último livro, Francisco. Desafios à Igreja e ao Mundo, chamo a atenção para as canonizações e os seus perigos, concretamente para a questão da necessidade de milagres como comprovativo de santidade. Para mim, os únicos milagres são os milagres do amor. Pensar que Deus intervém para interromper ou suspender as leis da natureza supõe que Ele está fora do mundo e que, de vez em quando, vem cá dentro e, arbitrariamente, pois vem para uns e não vem para outros. Como já sublinhei, Deus não está fora mas dentro, infinitamente presente como fundamento do milagre da existência de tudo.
Precisamente porque tudo é milagre - o milagre de existir, do ser e de se ser -, não há "milagres", que implicariam ateísmo.
Todas as crianças são santas, porque são puras e inocentes. Assim, apesar das reservas que coloco, só posso esperar que esta canonização sirva para a tomada de consciência de que todas as crianças são mesmo santas, com dignidade divina, tirando-se daí todas as consequências: acabar com toda a violência física e psicológica sobre elas, pôr termo a todas as situações de abuso: tráfico para a exploração sexual e de órgãos, trabalho infantil, soldados para as guerras, e que se ponha fim a essa tragédia que é mais de 10 000 crianças morrerem todos os dias de fome no mundo... Se esta salvaguarda das crianças se concretizasse, esse é que seria um verdadeiro milagre de Fátima.

3 Concordo com Henrique Monteiro, no último Expresso: "negar que Fátima tem um apelo especial, é negar a evidência, o que só se consegue com teorias estapafúrdias", como as do negócio e vigarice. Mas digo também: uma vez que há experiências religiosas melhores e outras menos boas, é tarefa da Igreja evangelizar Fátima, purificá-la, também com a transparência nas contas.

Garantia de Jesus: Vou enviar-vos o Advogado defensor

Reflexão Georgino Rocha


Disse em Fátima o Papa Francisco: "Sob a proteção de Maria, sejamos, no mundo, sentinelas da madrugada que sabem contemplar o verdadeiro rosto de Jesus Salvador, aquele que brilha na Páscoa, e descobrir novamente o rosto jovem e belo da Igreja, que brilha quando é missionária, acolhedora, livre, fiel, pobre de meios e rica no amor”

Jesus está a fazer a sua despedida dos discípulos. Abre-lhes o coração e comunica os sentimentos mais profundos. Conhece bem a situação em que se encontram: tristeza e perturbação, desamparo e orfandade, inquietação e perplexidade. E consigna no seu testamento final: “Não vos deixarei órfãos. Rogarei ao Pai que vos enviará outro Paráclito para estar sempre convosco”. Promessa realizada com a vinda do Espírito Santo. Promessa que toma rosto humano em quem cultiva o amor de liberdade e observa os mandamentos com obediência filial. Promessa que encontra no acontecimento do Pentecostes a sua celebração sacramental e percorre os caminhos da história em tantas outras manifestações.

O discurso de despedida, hoje proclamado na liturgia, condensa o núcleo fundamental dõ mistério cristão: “Eu estou no Pai e vós estais em Mim e Eu em vós”. A comunhão nasce e manifesta-se na relação. A certeza do envio do Advogado consolador, o Espírito Santo, enraiza-se neste amor fontal. A confiança dos discípulos alicerça-se na Verdade que não pode mentir. O olhar de fé faz ver outras dimensões da realidade e brota da razão humana iluminada por Quem a habita, o Espírito Divino. O amor à vida sonha novas ousadias porque garante Jesus: “Eu vivo e vós vivereis”.

Que beleza de mensagem. Que densidade da realidade. Que maravilha de horizontes. Tudo a envolver-nos para saborearmos e agradecermos, celebrarmos e vivermos, irradiarmos e comunicarmos. Em cumplicidade responsável que nos faz viver uma alegria irradiante. Santa Teresa de Calcutá dizia às suas Irmãs da Caridade: “A alegria é para nós uma necessidade e uma força, até fisicamente. Aquelas irmãs que cultivam o espírito de alegria não sentem tanto o cansaço e estão sempre prontas a fazer o bem. Plena de alegria, uma irmã prega sem pregar. Uma irmã alegre é como um raio de sol do amor de Deus, a esperança de uma alegria eterna, a chama de um amor que queima”.

A promessa de Jesus alarga-se à missão dos discípulos. Ide e anunciai. Ide e curai. Ide e sede testemunhas da minha ressurreição. E, obedientes por amor, partem pelos caminhos do mundo. De temerosos, fazem-se audazes; de agarrados ao passado, abrem-se decididamente ao futuro; de sonhadores de poderes mundanos, tornam-se realistas empenhados no serviço humilde, de cuidadores de interesses pessoais, passam a generosos construtores de uma sociedade de todos, lançando as sementes de um mundo novo a surgir.

Não estão sós nesta aventura missionária. Têm consigo o Advogado defensor, o Espírito Santo, enviado por Jesus. Necessitam da sua luz para amar sempre a verdade e não se deixarem corromper; da sua consolação para aguentar os revezes da vida; da sua companhia para vencerem a solidão que esgota e esteriliza; da sua força, suave e firme, para enfrentar todos os poderes instalados e provocar fendas de novidade e de esperança para os esquecidos e marginalizados; da sua sabedoria, para valorizar tudo o que condiz com a dignidade humana e rejeitar toda a espécie de discriminação e de silenciamento imposto. Outrora como agora. Os cristãos, seguidores fiéis de Jesus ressuscitado, sentem a alegria do Evangelho a irradiar e a causar problemas na (des)ordem estabelecida e na Igreja “entrincheirada” nos seus redutos tradicionais que se vão esboroando progressivamente. Os cristãos, como os discípulos na manhã de Pentecostes, querem vibrar com a audácia do Espírito Santo que os impele para a praça pública a proclamar o amor que Deus nos tem e faz germinar a revolução da ternura em toda a humanidade.

Maria, a Mãe de Jesus e nossa Mãe é o exemplo perfeito de quem se deixa modelar por este Espírito, o escuta e acolhe, e se disponibiliza para servir com amor. O Papa Francisco na sua peregrinação a Fátima exortou-nos a que: “Sob a proteção de Maria, sejamos, no mundo, sentinelas da madrugada que sabem contemplar o verdadeiro rosto de Jesus Salvador, aquele que brilha na Páscoa, e descobrir novamente o rosto jovem e belo da Igreja, que brilha quando é missionária, acolhedora, livre, fiel, pobre de meios e rica no amor”.

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