Crónica de Anselmo Botges
no Diário de Notícias
Os Evangelhos escrevem sobre a realidade histórica, mas foram escritos por quem, à luz do fim, já acreditava que Jesus é o Messias, “o Filho do Deus vivo”. Assim, na sequência da crónica da semana passada e da explicação apresentada, continuo a responder a perguntas que muitos me fazem sobre o Natal.
São José é o pai de Jesus? A teologia não é um tratado de biologia e anatomia. São Paulo escreverá de modo simples: Jesus, “nascido de mulher”, para dizer que é da nossa raça, que é o que se lê também nos evangelistas. Mas Ele é especial, único. Para mostrar que João Baptista é especial, os Evangelhos dirão que foi concebido quando a mãe, Isabel, já não podia ter filhos. Quanto a Jesus, acreditando que Ele é o Filho de Deus, a revelação definitiva de Deus como Pai/Mãe, escreverão que foi concebido pelo Espírito Santo.
A mãe era Maria, o pai era José. Tinha irmãos e irmãs. Há algum mal em ter uma família numerosa?
Como foi a sua infância? Normal e despercebida, de tal modo que, quando aparece em Nazaré, a anunciar o Reino de Deus, os seus conterrâneos enchem-se de assombro: quem é este?, a família dele não vive entre nós? Lê-se no Evangelho segundo São Mateus: “Donde lhe vem esta sabedoria? Não é ele o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? E as suas irmãs não estão todas aqui entre nós? E estavam escandalizados por causa dele.”
Certamente, frequentando a sinagoga, Jesus aprendeu a rezar, a escrever e a ler as Escrituras (Antigo Testamento), aprendeu o ofício de tekton, artesão, trabalhando com a madeira, a pedra, o ferro: um ofício duro.
Os pastores foram os primeiros avisados do seu nascimento, porque Deus manifestou a sua salvação a todos, a começar pelos que constituíam a classe baixa dos pequenos e pobres...
E os magos vieram do Oriente? E quantos eram? E viram uma estrela sobre a manjedoura? Será inútil procurar nessa data algum sinal especial no céu, pois os Evangelhos também não são nenhum tratado de astronomia. Eles vêm do Oriente, porque “ex Oriente lux” e Jesus é a verdadeira Luz.
O episódio dos Reis Magos vindos do Oriente, guiados por uma estrela, é dos mais conhecidos e fascinantes para o imaginário colectivo, mas, quando se analisa criticamente todos os dados, realmente não é crível historicamente. O que se passa é que o evangelista compara Jesus com o rei Salomão. Salomão, tão estimado pelos judeus pela sua sabedoria, foi visitado por uma rainha anónima vinda de longe, de Sabá, atraída pela sua fama. Jesus é mais do que Salomão. Ele é a Sabedoria verdadeira, que a todos ilumina. “Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida.” E veio para todos, também para os pagãos.
Também não é crível a matança dos inocentes. Como seria possível Flávio Josefo não ter referido essa matança? Herodes não precisava de se preocupar com a notícia, porque Jesus é rei, mas o seu reino é de serviço e não de domínio.
E Jesus é levado para o Egipto - realmente nunca terá lá estado -, donde voltará. Isto para dizer que Jesus é o novo verdadeiro Moisés, o Libertador de todo o mal e opressão, incluindo a morte. Porque Deus não suporta a opressão, a escravidão. Jesus é que é o verdadeiro novo Moisés, o Libertador definitivo de toda a escravidão, incluindo a libertação da morte. Jesus ressuscitou, não morreu para o nada, mas para a plenitude da vida em Deus; com a fé nele, veio para todos a esperança da vida plena e definitiva em Deus.
AVnselmo Borges no DN
Padre e professor de Filosofia.
Escreve de acordo com a antiga ortografia