Crónica Miguel Oliveira Panão
No mundo experimentamos coisas determinadas e indeterminadas. Aliás, os sistemas complexos associados à evolução do mundo expressam, precisamente, como a organização e os padrões emergentes do caos nascem de um equilíbrio na realidade entre o que é determinado e indeterminado. Não pode haver organização sem um misto de ordem e acaso. Porém, o modo como penso Deus e a realidade está muito influenciado por uma ideia do teólogo Wolfhart Pannenberg: Deus como Realidade-que-tudo-determina. Será?
Se acredito num mundo criado por Deus, também as coisas indeterminadas fazem parte dessa criação. A indeterminação pode não ser um subproduto do um universo finito e limitado, mas algo que faz parte da sua essência. A indeterminação oferece uma vasta gama de possibilidades que justificam a liberdade intrínseca ao tecido cósmico. Por isso, se a indeterminação faz parte da marca deixada por Deus na Sua criação, talvez afirmar Deus como Realidade-que-tudo-determina seja uma visão ainda incompleta.
O teorema da incompletude do génio matemático de Gödel afirma que, em qualquer sistema formal suficientemente poderoso para incluir a aritmética, existem proposições verdadeiras que não podem ser provadas dentro desse próprio sistema. Pois, exige um sistema sempre maior do que o sistema ao qual pertence a proposição que se pretende provar, para a provar. Porém, isso admite haver uma proposição dentro do sistema maior que precisa de um maior que o maior, por não poder ser provada pelo mesmo. Pelo que este raciocínio pode fazer-se ad infinitum e daí a génese do teorema da incompletude. É por este motivo que a pergunta sobre a "prova da existência de Deus" não tem sentido (do meu ponto de vista, o que tem sentido escrevi recentemente para a Ecclesia). Deus como Realidade-que-tudo-determina precisaria de uma "realidade" maior do que essa para provar a sua existência. Porém, ao pensar sobre isto fiquei na dúvida se mesmo a expressão "Realidade-que-tudo-determina" não seria limitada diante do facto de haverem coisas indeterminadas neste mundo e serem essas a origem da nossa liberdade. Talvez Deus seja antes a Realidade-que-tudo-(in)determina.
O determinismo que me permite formular leis que descrevem e explicam o que se passa neste universo será sempre acompanhado do indeterminismo que abre esse mesmo universo a uma imensidão de possibilidades, novidades e categorias. A indeterminação é o berço da novidade neste cosmos prenhe de transformação. Por isso, não me parece justo excluir da experiência que posso fazer de Deus esse elemento de surpresa.
Não me custa imaginar um Deus fascinado por aquilo que pode acontecer, mas não acontece; como aquilo que pode não acontecer, mas acontece. Deus é o fundamento de toda a possibilidade. Talvez não tanto por conhecer tudo o que é possível conhecer (não sei, na verdade), mas por nos inspirar a acreditar que não conhecemos todas as possibilidades ou sequer imaginá-las. E se a mente aberta é a que acolhe toda e qualquer novidade, para que Deus seja Deus, não consigo conceber mente mais aberta do que a D'Ele e, por isso, mais acolhedora das coisas indeterminadas deste mundo.
Se Deus pode ser a Realidade-que-tudo-determina, em Deus, (In)Deus, a nossa visão do criador amplia-se ao desejo de O experimentar como Realidade-que-tudo-(in)determina. Nessa experiência somos chamados a acolher tudo o que tem causa e tudo o que antes não passava de possibilidade, mas que (In)Deus = em Deus, encontra todo o sentido e significado. Mesmo o sofrimento. E a razão é tão simples quanto profunda: vivemos imersos numa história in(de)terminável.
Miguel Oliveira Panão