SONHA QUE O FILHO SAIBA LER O MUNDO
SARA REIS DA SILVA APRESENTA-SE COMO “A PROFESSORA DOS LIVROS”, CITANDO O FILHO, QUANDO TINHA 5 ANOS. CRESCEU NA GAFANHA DA NAZARÉ, ENTRE A IGREJA MATRIZ E O JARDIM OUDINOT. DOUTOROU-SE EM LITERATURA PARA A INFÂNCIA NA UNIVERSIDADE DO MINHO, EM BRAGA, ONDE HOJE DÁ AULAS, E É AUTORA DE DIVERSOS LIVROS. A LITERATURA DEFINE, ESTRUTURA E ALIMENTA A SUA VIDA. GOSTA DE VIVER INTENSAMENTE, TENTA NÃO DESILUDIR NINGUÉM E DAR SEMPRE O MELHOR DE SI.
A sua paixão pelos livros não tem uma data oficial de nascimento. Foi germinando lentamente, graças ao avô António que, apesar de “só” ter a quarta classe, gostava de ler e de escrever, e da professora do 1.º ciclo, Maria José Venâncio, que criara uma pequena biblioteca na sala de aula, da Escola da Cambeia. À época, os livros para a infância não abundavam. Reconhece a felicidade de ter pais que proporcionaram a oportunidade de adquirir alguns livros, de ter familiares que ofereciam ou emprestavam livros e, ainda, de ser vizinha do professor Fernando Martins e de usufruir da sua biblioteca.
Lê diariamente e muito. Lê ficção para a infância e a juventude, estudos teóricos para a docência, a investigação e os projetos que integra - Rede Temática “Las literaturas infantiles y juveniles del marco ibérico” e Observatório de Leitura de Pombal. Gosta de ouvir muitos escritores, não conseguindo eleger um. Debruçou-se sobre Miguel Torga e Manuel António Pina nas teses de mestrado e de doutoramento, orientada pelos professores Luís Machado de Abreu e Blanca-Ana Roig Rechou, respetivamente. Não consegue escolher “o” livro. A sua vida, em momentos diferentes, é marcada por vários livros, que fazem companhia, ajudam a compreender a si própria, os outros e o mundo.
Já escreveu 31 livros, coordenou a edição de 23, redigiu 132 capítulos e publicou 58 artigos em revistas internacionais e 37 em revistas nacionais da sua área de especialidade. O seu primeiro livro foi a tese de Mestrado: “A identidade Ibérica em Miguel Torga” (2002), que contou com o apoio da Câmara Municipal de Ílhavo. O segundo, “Dez Réis de Gente... e de Livros” (2005), reúne recensões de obras para a infância que escreveu semanalmente e divulgou na Rádio Terra Nova e no jornal “O Ilhavense”.
Com a escrita vive uma “sensação agridoce”. Sente-a como vital e exigente, ao nível da autodisciplina, da concentração e do foco. Conta que durante dias lê, pesquisa e pensa no que pretende ou tem de escrever. Dificilmente, escreve de “fio a pavio”, sem interrupções. Escreve, reescreve, volta atrás, altera e acrescenta. No final sente sempre que poderia ter feito mais e melhor. Gostava que a idade tornasse a escrita mais leve, mas receia que assim não suceda. Ambiciona atualizar a História da Literatura Portuguesa para a Infância e a Juventude e estudar o que se leu e o que se procurou esconder da literatura portuguesa para a infância no período do Estado Novo.
Considera que a expressão “Vencer na cultura” é complexa e discutível. Explica: “Não venci – não se vence na cultura -, porque esta é uma vivência, pessoal e profissional, repleta de concretizações, mas também de avanços e recuos, de constrangimentos e vicissitudes. Em suma, não sou uma vencedora – até porque, como assinala o professor Guilherme d’Oliveira Martins, entendo a cultura ‘como um enigma’. Sou apenas alguém que gosta do que faz, gosto dos passos que vou dando, com a calma e o tempo, muitas vezes, mínimo, necessários para ler, pensar e escrever.”
Tem como lema de vida “olhar em frente e nos olhos”. Tem muitos sonhos a cumprir, porque sente os “múltiplos” de Fernando Pessoa. Um dos “múltiplos” é como mãe e o seu sonho é estar ao lado do filho, “contribuindo para que se torne um adulto verdadeiramente bondoso e justo, que se preocupa com os outros, sabe pensar criticamente e sabe ler livros, mas essencialmente sabe ler o mundo.”
Notas:
1. Publicado na ~"Ílhavo Revista"
2. Fotos do meu arquivo