Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo XX do Tempo Comum
O fogo incendiário é o do amor com uma energia tal que nada o detém. Nem a morte, como se verá no Calvário
A declaração de Jesus não pode ser mais provocadora: Vim trazer fogo e quero que ele incendeie toda a terra. Não vim estabelecer a paz e, desde agora, está lançada a divisão. Lc 12, 49-53.
Pode ajudar-nos na compreensão deste desejo de Jesus a atitude dos bombeiros que, fiéis ao seu lema - vida pela vida – combatem as chamas dos incêndios correndo os maiores perigos. Dois fogos em contraste. Jesus testemunha o fogo do amor incondicional.
Os discípulos, como nós hoje, devem ter ficado chocados e perplexos. Ainda que Lucas – o autor da narrativa – tenha juntado, num só texto, várias sentenças, a mensagem surge tão radical que deixa intrigados a todos. E, naturalmente, nasce o espírito da busca do sentido mais profundo, o impulso da curiosidade mais abrangente do contexto, a força do desejo de verificar a coerência do proceder de Jesus.
A caminhada para Jerusalém continua. Aqui vai ocorrer o enfrentamento com os adversários – defensores da ordem estabelecida que, em muitos pontos fundamentais, contraria a proposta de Deus de que Jesus é portador e anunciador. Aqui vai manifestar-se, publicamente, quem está a favor ou é contra. Aqui ergue-se, humilhante, a cruz dolorosa que viria a ser transformada em Cruz gloriosa na manhã de Páscoa. Pela força do amor.
As imagens são muito fortes: Ateador de incêndios, perturbador de divisões que destroem a paz e lançam a guerra. Imagens contrárias ao que os seus contemporâneos esperavam e, mesmo, os discípulos desejavam. Imagens que, por incrível que pareça, encerram uma boa notícia, forte e interpelante, para as consciências adormecidas e alienadas.
O fogo incendiário é o do amor com uma energia tal que nada o detém. Nem a morte, como se verá no Calvário. Será tudo purificado, transformado e enobrecido: preconceitos, injustiças, corrupções, desonestidades, desvios sexistas, açambarcamentos económicos… e as sementes dignas da cultura humanizada – espelho original de Deus – hão-de germinar e florir num mundo novo, de respeito mútuo, de igual dignidade, de acesso aos bens indispensáveis a todos e a cada um.
A divisão/ruptura diz respeito a tudo o que está mal e pretende fazer manifestar a bondade e a beleza e, com a sua energia, irradiar e contagiar os laços familiares, as relações de vizinhança, os pactos de amizade desvirtuados, as opções políticas, as regras económicas.
O fogo purificador e a divisão sanadora garantem o brotar da aurora de uma nova humanidade, onde florescerá a justiça e a paz para sempre.
Pe. Georgino Rocha