Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo XVII do Tempo Comum
A resposta de Jesus abre novas dimensões ao pedido que o seu discípulo lhe faz para ensinar o grupo a rezar. São dimensões familiares que manifestam o ser de Deus, na sua relação connosco, que o fazem presente nas entranhas filiais de cada humano, que o definem e tornam reconhecido como a fonte de vida comum que gera “um nós” inconfundível e original. Constituem, por isso, a verdade que nos identifica e consolida na existência e a realidade performativa que nos impele a viver, cada vez mais, de acordo com a matriz do nosso ser humano. Lc 11, 1-13.
O Evangelho senta-nos no banco da “escola de oração” de Jesus. Ensina que a oração do crente deve ser um diálogo confiante de uma criança com o seu “papá”. Com Jesus, o crente é convidado a descobrir em Deus “o Pai” e a dialogar frequentemente com Ele acerca desse mundo novo que o Pai/Deus quer oferecer aos homens. Padres Dehonianos.
O pedido do discípulo surge após a oração de Jesus. Que haveria de especial, neste gesto de Jesus, para ele se sentir tão desejoso e impressionado? É certo que os mestres ensinavam os discípulos a rezar, transmitindo-lhes o resumo da mensagem que pretendiam difundir. Jesus praticava a oração, com normalidade, no decorrer do dia e das festas, sozinho e em família, com o grupo de acompanhantes, em lugares silenciosos, nos espaços públicos, na sinagoga, no templo. O grupo sabia-o e podia testemunhá-lo.
A novidade está, sem dúvida, na relação filial que manifesta ao dirigir-se a Deus como Abba, Papá querido, e consequentemente em “reconfigurar” o rosto de Deus no coração humano, em condensar o seu projecto de salvação em preces e atitudes vividas por ele e transmitidas aos discípulos, seus fiéis seguidores.
O desejo expresso pelo discípulo desvenda o melhor do ser humano: ser chamado a conhecer as suas capacidades e limitações, a ultrapassar-se a si mesmo – a sua vocação é Deus, a plenitude que Jesus nos revela -, a crescer na relação solidária, fruto da irmandade comum, a cuidar e apreciar tudo o que é humano como dom recebido a transmitir.
O Papa Francisco na mensagem para o II Dia Mundial dos Avós faz a seguinre exortação: «Estamos chamados a ser artífices da revolução da ternura! Façamo-lo aprendendo a usar cada vez mais e melhor o instrumento mais precioso e apropriado que temos para a nossa idade: a oração. «Tornemo-nos, também nós, um pouco poetas da oração: adquiramos o gosto de procurar palavras que nos são próprias, voltando a apoderar-nos daquelas que a Palavra de Deus nos ensina»
Que contraste tão interpelante com o rosto social do homem/mulher de hoje, com a cultura da satisfação, a sociedade cansada e fechada sobre si mesma, com as confissões religiosas “descafeinadas”, adormecidas, a Igreja inibida no seu conjunto perante minorias aguerridas que dizimam as referências fundamentais da comum humanidade!
“Paizinho querido” mostra o teu rosto claro na consciência de cada pessoa e enriquece-a, com os dons do teu Espírito, para agir rectamente; faz brilhar, na relação humana, a ternura da tua atenção a todos, de modo que surja a civilização do amor, a cultura da vida; dá a conhecer, cada vez mais, o teu Nome, o projecto de felicidade, sem distinção de raças nem de cores; manifesta o teu Reino em realização crescente, o triunfo do amor e da paz, da justiça e da verdade em todo o mundo; dá-nos “o pão nosso”, fruto do trabalho digno para todos e símbolo privilegiado de teu Filho Jesus, o pão que desce do Céu para a vida do mundo; perdoa a desfiguração que fazemos de Ti, a distância e a indiferença que perdura em nós em relação à proximidade filial que nos ofereces e à fraternidade que somos chamados a construir; não nos deixes ceder à tentação do consumismo e do espezinhamento dos direitos humanos que negam a tua proposta sonhada de igual dignidade de todos; livra-nos da tentação do comodismo egoísta, da injusta repartição dos bens, da comercialização da vida humana, do desequilíbrio crescente no planeta que cuidamos em vosso nome e gerimos em nome das gerações vindouras.
Acompanhemos o Papa Francisco que faz neste domingo uma viagem penitencial ao Canadá para pedir perdão, mais uma vez, aos povos indígenas que foram assimilados e não respeitados nos seus valores e crenças. Que exemplo maravilhoso. Temos Pai. Somos irmãos.
Pe. Georgino Rocha