Reflexão de Georgino Rocha
para a Festa do Corpo de Deus
Jesus faz a oferta do seu corpo e sangue na ceia de despedida. Em ambiente tão familiar, os discípulos entreolham-se procurando captar o alcance desta oferta. Na sua memória está muito vivo o lava-pés, gesto inaudito de qualquer mestre. No seu coração desenha-se o futuro iminente, o horizonte da missão. Lc 9, 11b-17.
A narrativa da comunidade de Lucas tem como matriz a ceia de despedida que Jesus realizou com os seus amigos, antes de começar a série de episódios que haviam de levá-lo à morte no calvário, antecâmara da ressurreição. Constitui o “coração” da Eucaristia, agora celebrada pelas comunidades cristãs, em Igreja. É maravilha a contemplar e tesouro a descobrir ao longo dos tempos, sobretudo da vida de cada um de nós. Maravilha que nos convida e atrai para captarmos o seu sentido profundo, assumirmos o espírito de entrega e de serviço, saborearmos o amor de doação incondicional, crescermos em disponibilidade e confiança até à entrega total, simbolizada no pão frágil e no vinho escasso que, por força do Espírito Santo, vão ser “corpo entregue e o sangue derramado por um mundo novo”.
A Igreja, diz o missal popular, celebra, hoje, a festa do corpo de Deus, numa atmosfera espiritual e no fervor do Espírito Santo, celebra a presença amorosa e operante de Cristo no meio de nós. Esta festa aparece na Liturgia no século XIII e vai-se configurando progressivamente ate chegar ao modelo actual: celebração eucarística, seguida de procissão pública, ornamentação, flores em tapetes de ruas ou lançadas de varandas, músicas e cânticos, preces e outros sinais de exultação festiva em louvor do Santíssimo Sacramento. Estes traços são os mais comuns nas nossas paróquias e dioceses.
O entusiasmo vivido pelos discípulos contrasta com a realidade ameaçadora pois “o dia começa a declinar”. E depois? Com o declínio do dia, vem a noite propícia a medos e infortúnios. Os discípulos, inquietos, querem prever uma saída e evitar a confusão. Vão ter com o Mestre que os responsabiliza pela busca de solução.
Jesus não se alheia das situações nem da procura de respostas, mas envolve-nos, conta connosco e com as nossas capacidades. A multiplicação dos pães constitui uma autêntica lição de acção consertada. Todos fazem alguma coisa: O rapazinho do farnel cede-o a pedido de André. Jesus toma o pão, abençoa-o, parte-o em pedaços, reparte-os pelos discípulos e encarrega-os de os distribuírem. A multidão deixa-se organizar em grupos/pequenas comunidades e recebe a parte que é entregue a cada um. Fica saciada e, ainda, sobra pão que deve ser recolhido e levado a quem precisar.
E com a acção concertada de todos, as inúmeras fomes da multidão serão saciadas. Haverá alegria e satisfação. Renascerá a esperança que vence todas as crises da noite. Erguer-se-á a mesa comum da fraternidade, onde cada um tem lugar e companhia. Começará a despontar uma sociedade nova que reflecte, à maneira de espelho, a maravilha irradiante da Eucaristia, por meio do apreço pela vida entregue ao serviço de todos, sobretudo dos empobrecidos e espoliados da sua dignidade.
Em atitude de grande alegria e profunda gratidão, adoremos o Senhor com todas as nossas forças: Porque Ele está connosco// enquanto o tempo é tempo// ninguém espere, para O encontrar// o fim dos dias…// abrindo os olhos// busquemos o seu rosto e a sua imagem // busquemo-l’O na vida sempre oculto// no íntimo do mundo// como um fogo.//
Porque Ele está connosco,// tal como na manhã de Páscoa,// não faltemos ao banquete// do sangue derramado,// comamos do seu pão,// bebamos do seu cálice divino,// sinal do seu amor até ao fim! Hino de Vésperas 3ª feira, tempo comum. Adoremos o Senhor.