Reflexão de Georgino Rocha
para o Segundo Domingo da Quaresma
“Diz-me o coração: «Procurai a face do Senhor». A vossa face, Senhor, eu procuro; não escondais de mim o vosso rosto”. É esta a antífona de entrada da celebração litúrgica do domingo da Transfiguração de Jesus, ocorrida no monte Tabor. Antífona que desvenda o íntimo do coração humano desejoso de ver o rosto de Deus e, cheio de confiança, Lhe suplica que se mostre. Antífona que nos predispõe a acolher a mensagem das leituras de hoje. Em sintonia com a Igreja, vamos fazer o percurso dos discípulos eleitos de Jesus para serem testemunhas da sua transfiguração e revigorarmos a nossa fé. Lc 9, 28b-36.
Ao desejo do coração humano responde Deus Pai indicando o caminho seguro de escutar Jesus, seu Filho amado. Escutar é uma constante bíblica que desvenda a relação humana que sintoniza com o preceito divino. Escutar com o coração disponível a acolher e com todas as faculdades humanas despertas e prontas a corresponder. “Quem dera ouvísseis hoje a voz do Senhor” exorta o salmista ao começar a oração da manhã da Liturgia das Horas.
“Este é o meu Filho amado, escutai-O” ouvem Pedro, Tiago e João, os amigos de Jesus que o acompanham na subida ao monte da Transfiguração. E também nós que somos chamados a percorrer a caminhada quaresmal e a celebrar a Páscoa da ressurreição. É o que acontece a todos os que, de coração sincero e consciência (in)formada, progridem no apreço pela vida humana digna e aberta a ideais nobres e felizes.
A tríada de testemunhas é atacada pela sonolência que lhe provoca o adormecimento. “Estavam a cair de sono”. Jesus mantém-se em oração e sente que todo o seu aspecto se altera, ficando com um brilho refulgente. Ao mesmo tempo, aparecem Moisés e Elias, protagonistas maiores e símbolos máximos do Antigo Testamento, e conversam com ele sobre o que iria acontecer em Jerusalém.
Despertos, os três discípulos vêem a glória que o envolve e dele irradia, dão conta que aquelas duas figuras vão desaparecendo, manifestam a sua alegria pela experiência gozosa que estão a viver e querem prolongar, sentem medo perante a nuvem que os cobre com a sua sombra e ouvem uma voz que dizia: “Este é o meu Filho, o meu eleito: escutai-O”.
O acolhimento de Jesus, Filho de Deus, acontece em quem está desperto das sonolências que adormecem as consciências, das meias verdades que enganam, das rotinas que pesam e cansam, dos preconceitos que ensurdecem, das “manias” que paralisam, da opinião publicada que, frequentemente, manipula e distorce a realidade, da apatia e indiferença que distanciam a proximidade e destroem o envolvimento, da crendice que amarfanha e desfigura a sede humana do divino, do medo que inibe e fecha horizontes, da acomodação que instala e aburguesa, do ego centrado no subjectivo que relativiza e deforma.
A transfiguração faz-nos ver a autenticidade de Jesus, o Filho de Deus, dá lucidez e coragem aos seus amigos e seguidores para verem a outra face da vida, abre horizontes de ressurreição aos acontecimentos “negros” da paixão injusta e da morte aniquiladora. E, para todos sem distinção, atesta solenemente: Escutai o meu Filho amado, o escolhido para realizar, convosco, a salvação que generosamente vos ofereço.
O Papa Francisco, na Exortação Apostólica «Cristo Vive», vem lembrar-nos três verdades fundamentais entusiasmantes: “Eis a primeira verdade que quero dizer a cada um: «Deus ama-te». Mesmo que já o tenhas ouvido – não importa – quero recordá-lo: Deus ama-te”. A segunda é que, por amor, Cristo entregou-se até ao fim para te salvar. Os seus braços abertos na cruz são o sinal mais precioso dum amigo capaz de levar até ao extremo o seu amor”. “Mas há uma terceira verdade, que é inseparável da anterior: Ele vive!”. Vive, fala e quer ser escutado em Jesus, seu Filho amado. Como reagimos?
Pe. Georgino Rocha