Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo IV da Quaresma
O regresso do filho pródigo à casa paterna onde é acolhido com um abraço afetuoso do pai constitui o início da festa familiar que Jesus apresenta para mostrar a fariseus e escribas o rosto misericordioso de Deus em contraste com as crenças tradicionais por estes pregadas. Apresenta em género de parábola que Lucas narra após as da ovelha e da moeda perdidas e integram o capítulo 15 “verdadeiro coração do Evangelho”. E a Bíblia Pastoral comenta: “Com esta parábola, Jesus faz o apelo supremo para que os doutores da Lei e os fariseus aceitem partilhar a alegria de Deus pelo regresso dos pecadores à dignidade da vida”. Lc 15, 11-32.
“É tão comovedor ver aquelas mães e filhos nas imagens da televisão, sozinhos porque para trás ficou a figura paterna para outra guerra, que não é a das lutas diárias, das coisas que é necessário para viver bem em família, mas nesta violência que não tem justificação, nem compreensão, à luz do que é a humanidade no século XXI e deve merecer toda a nossa oração e acompanhamento para que possam voltar dias de paz àquele território”, confessa à Ecclesia o padre Tarcízio Morais, conhecedor das comunidades salesianas na Ucrânia, que não consegue esquecer as imagens do país em guerra onde “a figura paterna é deixada para trás”. Sendo necessário reerguê-la, reconfigurá-la e dar-lhe o lugar que tem no sonho de Deus e Jesus “retrata” na parábola que estamos a meditar.
Os chefes religiosos avolumam as vozes ilustradas dos que murmuram a respeito dos comportamentos de Jesus por causa de acolher e comer com pecadores. A resposta à murmuração chega em género de parábola, a mais bela do Evangelho. É tão rica que se converte em fonte de inspiração para artistas de rara qualidade. Sirva de exemplo Rembrandt, pintor flamengo do século XVII, e Nouwen, escritor jesuíta contemporâneo com o seu livro “O regresso do Filho Pródigo”. É tão rica que fica como o “retrato” mais expressivo do Pai que surpreende pelas atitudes que toma, pelos sentimentos que revela, pela determinação serena e firme que assume face aos filhos que não se relacionam nem se reconhecem como irmãos. Assim, é Deus. Assim somos nós, sempre que reproduzimos este comportamento.
“O homem moderno foge de si e dos seus, e no fim encontra-se só, sem amigos, sem companheiros, adianta o Documento preparatório, nº 17, do Sínodo. Feliz o pródigo, que ainda tem forças para entrar em si e voltar a seu Pai, para voltar a encontrar o que abandonou o carinho dos seus. É o tempo de deixar de olhar o passado e começar um novo caminho. É o tempo de “Me levantarei e irei onde está meu Pai”. Todos temos algo do filho pródigo e algo também do irmão mais velho”.
A aventura do jovem “desenha” bem o sonho encantado de quem deseja fazer experiências inovadoras, conhecer situações diferentes, afirmar a sua liberdade. A tudo lança a mão, tal o frenesim da paixão. Esgotados os recursos e adormecidos os estímulos, as necessidades básicas fazem ouvir a sua voz: o alimento que mata a fome; a solidão e com ela a nostalgia do ambiente da casa paterna; o desejo intenso de regressar; a consciência dos riscos que correu; a decisão firme de encarar o futuro, de confessar o “seu pecado”, de pedir perdão, de aceitar ser de novo filho e não assalariado como pretendia, de entrar na festa da reconciliação. Feliz decisão: levantar-me-ei e irei ter com meu pai. E o Pai aguarda paciente. Assim é Deus.
A atitude do irmão mais velho é coerente. Ele está cheio de razão legal. Nunca falhou em nada. Sempre cumpriu ordens: em casa, no campo, no convívio dos amigos. O ressentimento é compreensível. A sua resposta parece correcta. No entanto, deixa a claro o espírito servil, a carência do amor filial, a alegria da família, o agrado de cuidar dos bens da casa paterna (que, entretanto, já eram seus). Falta-lhe o sentido “transcendente” da vida quotidiana.
A surpresa chega com novos requintes do Pai bondoso: vem ter com ele, explica-lhe o sucedido, insiste para que participe na festa e deixa-o livre para que tome a decisão que entender. O convite continua feito à espera de resposta. O narrador da parábola deixa em aberto o desfecho da situação. Inteligentemente! Assim é Deus. Enquanto houver tempo, oferece-nos sempre uma oportunidade. Assim é Jesus, o rosto amável de Deus, que se auto-retrata nesta bela parábola e projecta/denuncia a atitude dos fariseus no proceder do filho mais velho e anuncia a dos publicanos e pecadores na do mais novo. Também aqui se revela a surpresa de Deus que se faz acessível e assertivo para com todos.
Pe. Georgino Rocha